Título: Gastos públicos no olho do furacão
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 18/12/2005, Economia & Negócios, p. A20

Longe do consenso dentro do governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, o controle rígido dos gastos públicos promete ser um dos temas mais fortes no debate eleitoral de 2006, que já começa a esquentar.

Seja para defender a austeridade em tempos de crise ética, seja para sustentar uma maior eficácia da máquina pública, os discursos caminham na construção de uma política fiscal responsável, nos moldes do pregado pela maioria dos economistas da linha ortodoxa. Sinal de que o controverso superávit primário se manterá em riste? A maioria dos observadores ouvidos pelo JB diz que sim.

- A tendência de polarização entre PT e PSDB já restringe o campo de heresias e propostas dissociadas da realidade - aponta o ex-ministro e sócio da Consultoria Tendências, Maílson da Nóbrega. - Além do mais, entre os analistas já existe a percepção dos riscos que representa uma guinada na economia. Os mercados reagem instantaneamente.

Para ele, embora o PT pressione por mudanças e o próprio Lula sinalize para ''ajustes'' na economia, não há riscos de uma mudança de rumos na política fiscal.

- Só em um ato de desespero, ele (Lula) se enveredaria em um discurso populista.

Economista-chefe do Banco Itaú, Tomás Málaga aposta que a política fiscal será o principal tema do debate eleitoral no ano que vem.

- A discussão em relação à taxa de juros vai enfraquecer a partir de maio, junho, pois a Selic está em queda. Duas questões importantes se apresentam: a necessidade de melhora da qualidade do gasto e a redução da dívida pública. O debate já avançou muito, tanto no meio político quanto na opinião pública, o que mostra um amadurecimento do Brasil que ainda não é possível perceber nos demais países latino-americanos.

Sobre a importância do tema, converge a opinião de Málaga à da economista da USP Leda Paulani, integrante de um grupo de intelectuais que gravita em torno da senadora Heloísa Helena (PSOL). Mas a concordância pára por aí. Para ela, o debate sobre as despesas públicas ficará no foco político, porém cada qual com sua identidade.

- O debate sobre os gastos do governo será mantido por uma questão maior, para recuperar o papel do Estado na economia, que é promover o crescimento, e não só agir como ''polícia'' monetária - avalia a professora da USP. - Defende-se o estado eficiente, mas esse discurso é contraditório. Fala-se em austeridade, mas se mantêm gastos com juros que são irresponsáveis e, o pior, não podem ser punidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para o economista e secretário estadual de Planejamento do Rio, Tito Ryff, que vem acompanhando o governador Anthony Garotinho em pré-campanha pelo PMDB, certos princípios não podem e não deverão ser revertidos, como o sistema de câmbio flutuante e as metas de inflação.

- Podemos discutir o tamanho do superávit, mas ninguém vai defender um estado gastador - diz.

Mas Ryff vai além e faz uma aposta em relação à defesa de todos os candidatos.

- Estou convencido de que o candidato que não oferecer garantias quanto ao controle da inflação não será eleito. Assim como aqueles que passarem a impressão de irresponsabilidade fiscal.

Para Tomás Málaga, mesmo o PT pode colocar tudo a perder caso adote um discurso do estado gastador.

- Corre-se o risco de se jogar o país em um processo inflacionário que vai levar mais dois anos para ser controlado, além de muitos juros altos, e, não tenha dúvida, isso pode ser descontado na conta do PT em eleições futuras - avalia o economista-chefe do Itaú.