Título: A terra se move
Autor: Mauro Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, País, p. A2

Os líderes políticos atuam como se tudo continuasse exatamente como antes, buscando os entendimentos habituais para a construção das candidaturas à Presidência e aos governos estaduais. Sorriem juntos, diante das câmeras, mesmo quando ferozes competidores; dão declarações sempre mais hábeis do que desastradas e avaliam sua força eleitoral como os jovens exibem seus bíceps na praia. Não lhes parece que alguma coisa haja mudado no Brasil, no mundo e na mente das pessoas. Mas o país, o mundo e as pessoas estão sempre mudando e parecem ter mais pressa agora. É provável que não saibam exatamente aonde ir, mas não desejam continuar no mesmo caminho. O presidente da República ¿ que vem dando sinais neste sentido ¿ parece disposto a abandonar a idéia da reeleição, mas não se encontra inclinado a renunciar ao costume, tradicional nesta República, de fazer o sucessor. Já se começa a falar abertamente na possibilidade de que, em seu afastamento cada vez maior das idéias e da estrutura do partido que fundou, venha a apoiar a candidatura de Ciro Gomes, que arrastaria poderosa parcela do PSDB, via Tasso Jereissati. É claro que Jereissati, se perguntado, desmentiria essa hipótese, mas basta verificar o resultado das eleições passadas no Ceará para saber quanto podem os interesses regionais e a amizade no processo político. E aqui chegamos a outra preocupação. Tanto Ciro quanto Tasso são homens com base eleitoral e sentimental no Ceará e interessesmaiores em São Paulo. Essa seria uma forma de, mais uma vez, aquele Estado decidir a sucessão presidencial. Seria, se tudo isso, ainda que possível, fosse também provável. Contra essa hipótese se movem outras forças, entre elas o PMDB. O velho partido foi sempre espaço de disputas ideológicas, entre os pragmáticos e os sonhadores; entre os chamados ¿autênticos¿ e ¿moderados¿. Quando foi possível reuni-los, em torno de Tancredo, demonstraram que eram imbatíveis nas ruas, com a campanha das diretas que se transformou na aclamação nacional do político mineiro e nas articulações indispensáveis para assegurar-lhe a vitória no colégio eleitoral. Dividido, foi golpeado pela derrota na campanha presidencial por duas vezes sucessivas, e perdeu a sua flama, recolhendo-se aos municípios e aos estados. Começou a reanimar-se nestas últimas semanas. Mas o partido (e esse pecado não é só seu) tem servido de ponto de baldeação para políticos expelidos de outras agremiações, seja por fragilidade ideológica, seja pelas cotoveladas habituais na busca de espaço eleitoral. É esse o caso do Garotinho. Garotinho procura impor-se, mesmo sendo cristão novo, na máquina do PMDB, a fim de obter sua escolha nas prévias, e para isso conta com os evangélicos, mas os novos huguenotes se encontram também divididos.Obispo Macedo fez o seu partido próprio, e nem todos os protestantes estão dispostos a votar em pastores ou assemelhados, principalmente depois do desempenho moral de alguns deles, em episódios recentes. O entusiasmo em torno de Garotinho pode não resistir à velha habilidade dos chefes do PMDB e à fidelidade dos militantes. O radialista de Campos calcula mal, quando afirma ser capaz de conquistar as bases do partido em todo o país: é exatamente no corpo de militantes que a idéia de uma candidatura própria e autêntica, e não de um arrivista, é mais arraigada. Não nos esqueçamos de que a resistência a Garotinho é comandada pelos governadores eleitos pelo PMDB, quase todos aspirantes à provável candidatura própria. Embora disputem entre eles, une-os a rejeição comum ao ex-governador do Rio de Janeiro. Dificilmente ele teria fôlego para enfrentar homens como Jarbas, em Pernambuco, Requião, no Paraná, Luís Henrique, em Santa Catarina, e Rigoto, no Rio Grande do Sul. Isso sem se falar em Itamar. E há, como esta coluna tem registrado, o problema regional. Os interesses geopolíticos começam a impor-se às velhas e desgastadas estruturas partidárias, o que pode favorecer alianças novas e impensáveis até uns meses antes.