Título: ''Salto alto em política é perigoso''
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, País, p. A3

Líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) é um parlamentar de respostas firmes. Apesar da crise política, não demonstra preocupação com as últimas pesquisas de intenção de voto à Presidência da República, que dão a liderança ao tucano José Serra já no primeiro turno. Diz que o governo e o PT superarão as dificuldades e calarão a algaravia no ninho tucano. Isso, claro, se seu partido ¿continuar amassando o barro com humildade¿. ¿ Eles nunca acreditaram na gente e já pagaram um preço por isso. Subir em salto alto é sempre muito ruim na política ¿ afirma Mercadante.

Para o senador, a realização de ajustes na política econômica é fundamental na estratégia de recuperação de prestígio perante a opinião pública. Formado em economia e professor licenciado na PUC-SP e na Unicamp, Mercadante sugere, entre outras medidas, uma redução mais acentuada da taxa básica de juros. O crescimento da economia, as realizações na área social e o reconhecimento da necessidade de um pedido de desculpas à sociedade pelo desrespeito à ética pavimentariam a reeleição do presidente Lula.

¿ Temos que concentrar esforços para impulsionar o crescimento sem cometer nenhum tipo de populismo econômico ¿ afirma Mercadante em entrevista ao JB, na qual reafirma sua candidatura ao governo de São Paulo em 2006.

O Banco Central foi conservador ao cortar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros na semana passada? ¿ Há espaço para uma queda mais acelerada e sustentada da taxa de juros. Em primeiro lugar, por causa da inflação. Estamos com a terceira menor inflação do pós-guerra. Acho que o fato de termos definido no passado uma meta de inflação extremamente ambiciosa, em função do choque do petróleo e das commodities internacionais, pressionou em demasia, e desnecessariamente, a política monetária. Em segundo lugar, as contas externas do Brasil nunca estiveram tão favoráveis. Nosso governo pagou toda a dívida com o FMI antecipadamente, reduziu em 40% a dívida externa brasileira e acumulou reservas cambiais de forma expressiva. Dobramos o volume de exportações. Geramos superávit na balança comercial de US$ 42 bilhões. São condições fundamentais para impulsionar mais o crescimento econômico do País. E, como o cenário internacional é favorável, temos todas as condições de acelerar o crescimento em 2006.

Que outros ajustes são necessários na política econômica? ¿ Primeiro, diminuir a pressão da política monetária sobre o nível de atividade. Isso ajudaria do ponto de vista da taxa de câmbio. Como pagamos a dívida com o FMI e estamos com reservas elevadas, inibimos os especuladores quanto à moeda brasileira. Só para não repetir o que aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1998 e 2002, quando o país pagou um preço caríssimo pelo ataque especulativo. O país está muito mais sólido. Se a taxa de juros cair mais significativamente, o câmbio tende a ter um ponto de equilíbrio que ajuda mais as exportações e o crescimento. Em relação ao superávit primário, devemos manter a meta de de 4,25% do PIB. Não há necessidade de chegar em novembro com uma meta de 6,1% do PIB, porque, se você juntar a política monetária, fiscal e cambial, está retirando um potencial de crescimento que o país tem. É por isso devemos que olhar para o crescimento econômico como prioridade para 2006.

Então, o senhor apóia a nota do PT divulgada no sábado retrasado com críticas à política econômica? Essa preocupação com relação ao crescimento econômico é um debate importante. O superávit é uma conseqüência da dívida pública e da taxa de juros elevadas. Baixando os juros e melhorando o perfil da dívida, poderemos reduzir no futuro o superávit e a carga tributária e aumentar os investimentos, que são muito carentes, especialmente em termos de infra-estrutura. Mas não vejo, neste momento, ambiente para reduzir a meta de superávit. O que não concordo é com um superávit muito acima da meta.

O deputado Roberto Brant (PFL-MG) diz que os grandes erros do PT estão concentrados na área política. O senhor concorda? ¿ Nossos avanços foram mais importantes na área social. A Pnad (pesquisa do IBGE em domicílios) mostra que melhorou a distribuição de renda e o nível de escolaridade médio em todas as faixas etárias. E a educação é o problema estrutural mais grave do Brasil. Experiências como o Prouni, que estão criando mais de 100 mil vagas no ensino superior por ano, mostram que estamos enfrentando problemas estruturais para gerar mais inclusão social e melhorar a qualidade de vida da população. O programa Bolsa Família atende 8,1 milhões de famílias e está tendo o monitoramento das crianças na escola, ajudando a melhorar a escolaridade e reduzindo a pobreza absoluta no país. Três milhões de pessoas saíram da base da linha da pobreza. O salário mínimo tem a menor jornada de trabalho necessária para comprar uma cesta básica desde que foi criado o índice da cesta básica. Geramos 3,8 milhões de empregos com carteira assinada. No social, todo mundo esperava que o PT fizesse o que está fazendo. Na economia, não se esperava e foi um excelente resultado. Erramos onde ninguém imaginava, e não precisávamos ter errado, na questão da ética na política.

E a relação com o Congresso? ¿ No Senado, sempre fomos minoria. Acho que foi um erro da Câmara não ter aprovado as reformas política e eleitoral. Não é um problema do governo. É um problema dos partidos, especialmente dos deputados, que deveriam ter resolvido essa questão pela democracia brasileira. E alguns projetos têm sido implementados com muita lentidão, porque a oposição nem sempre favorece acelerar matérias relevantes. Acho que a correlação de forças no Parlamento prejudica um pouco a agilidade das reformas.

O governo e o PT conduziram mal a crise política? ¿ O governo teve uma atitude corajosa para a história democrática do país, ao defender que tudo seja apurado. Uma Polícia Federal que não se pauta por interesses partidários ou de governos, com atitude republicana absolutamente isenta. Vem combatendo o crime organizado, o narcotráfico e a corrupção de forma implacável e exitosa. Todas as CPIs estão funcionando, coisa que nunca aconteceu. O governo do PSDB em São Paulo tem 60 CPIs engavetadas na câmara legislativa. Acho que há exageros, que muitas vezes falta o direito de defesa, que há um componente político-eleitoral nesta crise. Mas o saldo é positivo para a nação.

A impressão da sociedade é que as respostas do PT e do governo não foram satisfatórias. ¿ Porque foram muito graves os procedimentos de alguns dirigentes do partido. Não consigo entender por que as finanças do partido se associaram, por exemplo, a uma empresa como a do Marcos Valério. Nunca foi autorizado, mas foi feito. O PT deve desculpas à sociedade e pagará um preço político por isso. Mas temos condições, depois das contribuições que demos à luta pela ética na política e pela reação que a nossa militância teve, de promover esse reencontro do PT com a ética, que é fundamental para o Brasil e para o partido.

Pesquisas recentes mostram o prefeito José Serra (PSDB) em primeiro lugar nas intenções de voto no primeiro turno. Qual a avaliação do senhor? ¿ A pesquisa mede o momento, e a campanha sempre tem um papel fundamental no processo eleitoral. Essa desaceleração da economia pesa (no resultado). Agora, o pior momento do Lula nas pesquisas é pelo menos três vezes melhor do que os piores momentos de Fernando Henrique Cardoso. E ainda assim o Fernando Henrique Cardoso ganhou a eleição em 1998.

A oposição dá como morta a candidatura do presidente Lula. ¿ Eles nunca acreditaram na gente e já pagaram um preço por isso. Subir em salto alto é sempre muito ruim na política. Mas é bom que eles o façam. A gente tem que continuar amassando o barro com humildade.

Em São Paulo, não seria interessante lançar a ex-prefeita Marta Suplicy para a Câmara a fim de garantir a eleição de uma bancada expressiva? ¿ Já disse publicamente que a minha disposição em São Paulo é de um pacto de unidade. A prefeita Marta fez um grande governo, tem um perfil inovador na política e todas as condições de pleitear esse cargo de governador. Eu tive 10,5 milhões de votos ¿ 3 milhões a mais que o Geraldo Alckmin na última eleição ¿, fui o parlamentar mais votado na história do país e a condição de líder do governo me dá condições de defender bem o governo. Estou aberto para construir a unidade. Se não for possível, aí tem as prévias.

Então, não está fora de cogitação uma composição tendo a ex-prefeita como candidata ao governo e o senhor como coordenador de campanha do presidente Lula? ¿ No encontro estadual, deu pra ver uma receptividade muito grande à minha pré-candidatura ao governo de São Paulo. Gostaria muito de disputar essas eleições. Em 2002, de cada dois paulistas um votou em mim. Mesmo que perca 3 milhões de votos, chego em primeiro lugar para governador. Essa condição motiva muito o partido a manter a minha candidatura. Mas, como eu disse, se a gente chegar à conclusão que tem um nome melhor do que o meu, seguramente estou disposto a cumprir qualquer tarefa para ajudar o projeto nacional do PT.

Qual é o candidato preferencial do PT para vice do Lula? ¿ Temos grandes possibilidades de uma aliança nacional com PCdoB e PSB e gostaria muito de ter uma aliança estratégica com o PMDB. A aliança PT-PMDB daria um padrão de governabilidade. Agora, as dificuldades no PMDB... É um partido muito heterogêneo. Acho mais provável que eles tenham candidatura própria.

O crescimento da economia facilitaria a atração de aliados? ¿ O crescimento da economia tem grande impacto social e político-eleitoral. Os indicadores de inflação, emprego e salário são dois terços da popularidade do governo. Veja que Clinton foi reeleito com uma crise política muito delicada, especialmente em função do quadro econômico. Por isso, temos que concentrar esforços para impulsionar o crescimento sem cometer populismo econômico.

O senhor citou diversos dados positivos da atual gestão. A comunicação do governo precisa ser aperfeiçoada? ¿ Concordo que falta comunicação e a crise agravou o problema. Boa parte da população não tem acesso a esses indicadores. O governo tinha de se expor mais, os ministros tinham que disputar mais a opinião pública, senão você não consegue fazer comunicação.