Título: Surpresas em Hong Kong
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Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, Opinião, p. A10

No mundo da diplomacia, as decisões são tomadas num ritmo peculiar, que exaspera os mais afoitos. Por isso, a importância do acordo selado ontem em Hong Kong, que salvou do fracasso completo a sexta conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Era de se esperar que as negociações fossem duras, como sempre são as discussões no âmbito comercial entre países de níveis diferentes de desenvolvimento. Mas o cenário parecia ainda mais sombrio, com a resistência das nações ricas, sobretudo as européias, em abrir mão dos subsídios e de expedientes protecionistas que desequilibram o comércio internacional.

A promessa de eliminação dos subsídios à exportação de produtos agrícolas até 2013, a despeito de ainda requerer aprovação consensual dos membros da OMC e da tentativa frustrada de antecipá-la para 2010, afigura-se como um passo importante na luta dos países em desenvolvimento para configurar um ambiente de negócios mais justo, que não perpetue desigualdades.

Caso não houvesse qualquer compromisso com avanços nessa direção, a Rodada Doha poderia acabar sepultada antes do tempo, repetindo-se o impasse causado pelo fiasco nas discussões realizadas em Cancún, no México, há dois anos.

Daí a insistência do G-20, grupo de países liderados por Brasil, Índia e outros emergentes, em acelerar o processo, o que levou ilustríssima representante francesa a acusá-los de querer deixar os europeus em roupas de baixo.

Não era para tanto. Bastava um compromisso de que o rebanho europeu deixaria de receber recursos superiores à renda familiar de agricultores de nações em desenvolvimento. É imoral que os ricos financiem tamanha distorção e ainda exijam abertura indiscriminada de fronteiras para seus produtos industrializados.

Tarifas incidentes sobre bens e serviços podem e devem ser reduzidas em nações como o Brasil, onde a economia está vacinada contra a concorrência estrangeira após diversos solavancos. Tudo se resolve na mesa de negociação, desde que todas as partes envolvidas estejam dispostas a ceder em alguma medida.

Muitos itens da pauta de negociações ainda deverão ser exaustivamente discutidos, mas os países em desenvolvimento deram um passo importante para se fazer ouvir. Hoje, a diplomacia brasileira pode comemorar, com a habitual discrição, a vitória em Hong Kong. E, principalmente, o papel de liderança entre as nações emergentes, que terão papel preponderante na construção de uma nova arquitetura mundial, mais eqüitativa.