Título: São Paulo e os `coríntios¿ do PT
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, Outras Opiniões, p. A11

A incompetência do governo do PT é diretamente proporcional à sua apetência pelo poder, confirmando a máxima do Marquês de Maricá: ''Os que menos sabem governar-se são ordinariamente os que mais ambicionam governar os povos''. As trapalhadas administrativas, políticas, financeiras e éticas, o desencontro de informações, o aberrante despreparo e a absoluta ausência de unidade nos remetem quase que intuitivamente ao ano de 57 d.C., quando o apóstolo São Paulo, diretamente de Éfeso, capital da província romana da Ásia, redigiu sua primeira epístola aos coríntios, os habitantes da então capital da Acaia.

Haviam surgido entre os cristãos de Corinto diversas divisões, cada uma das quais com propensão a seguir um ou outro pregador do Evangelho, assim como na seita petista sempre houve diversos grupos, cada um deles com tendência a crer nesta ou naquela sandice do ''evangelho'' de Marx. Para os adeptos da religião da estrela vermelha (de vergonha), isto seria sinal de ''democracia interna'' - algo que o bom senso prefere denominar de ''democratite'' - mas que, a partir do momento em que o partido chegou ao poder, tornou-se um perigo para o povo, como sempre acontece quando inexiste um mínimo de unidade dentro de qualquer governo.

Escreveu então o apóstolo dos gentios, com o objetivo de unificar aquele povo: ''Não pode o olho dizer à mão: 'Não preciso de ti', nem a cabeça dizer aos pés: 'Não preciso de vós'. E também: 'Também o corpo não possui um só membro, mas muitos'. Ora, se o pé dissesse: 'Porque não sou mão, não pertenço ao corpo', nem por isso deixaria de fazer parte do corpo. E se a orelha dissesse: 'Porque não sou olho, não pertenço ao corpo', nem por isso deixaria de pertencer ao corpo. Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido? E se todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato?'' (I Cor. 12, 14-17).

Todas essas admoestações cabem perfeitamente ao governo do presidente Lula, para quem, provavelmente, os ''coríntios'' teriam sido torcedores muito antigos do Corinthians, e São Paulo, talvez, o fundador do tricolor do Morumbi... É mais do que imediata a aplicação da metáfora paulina ao petismo: o olho é Palocci, a mão, Alencar, a cabeça deveria ser o presidente, o corpo, o governo como um todo, os pés, Dilma Rousseff, a orelha, Gushiken, o olfato, a multidão de ministros e secretários...

Não pode a política monetária dizer à fiscal: ''Não preciso de ti'', sob pena de as taxas de juros e o desemprego permanecerem elevados e, mesmo assim, não impedindo que o centro da meta de inflação para todo o ano (5,1%) já tenha sido ultrapassado em novembro, o que evidencia que, na ausência da harmonia entre o olho, a mão e os pés e à falta de uma cabeça, o tal ''exagero'' nos juros do Copom não foi nenhum exagero. Não pode a ''ala esquerda'' dizer à ''conservadora'': ''Porque não sou de 'direita', mas 'progressista', não pertenço ao corpo do governo'', o que faz com que a taxa básica de juros requerida para que a meta de inflação seja atingida seja sempre muito maior do que aquela que seria necessária. E, tampouco, podem os membros do corpo que representam a ética, a política e a economia dizer uns aos outros: ''Não tenho nada a ver com vocês'', o que acarreta o fenômeno atual de anomia que paralisa o país.

O leitor do JB sabe que estamos no tempo do Advento, que representa a espera do nascimento da verdadeira esperança, infinitamente diferente da falsa ''esperança'' com que a propaganda empulhou a nação. Que em 2006 - e as atuais expectativas de inflação para o ano que vem estão dentro da meta de 4,5% (e não abaixo) - os nossos ''coríntios'' não cometam a insanidade de mudar a política monetária, apavorados diante da possibilidade efetiva de serem alijados do poder pela força do voto.

*Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), escreve às segundas-feiras nesta página