Correio Braziliense, n. 22514, 07/11/2024. Política, p. 4
Compromisso para valorização da mulher
Camila Curado
O primeiro dia da 10ª Cúpula de Presidentes dos Parlamentos do G20 (P20) na Câmara dos Deputados foi dedicado ao debate sobre igualdade de gênero. A Carta de Alagoas, documento com 17 recomendações para ampliar a representatividade feminina na política, foi entregue oficialmente ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pelas mãos da senadora Leila Barros (PDT-DF) e de Benedita da Silva (PT-DF).
A carta contém o resultado das discussões da 1ª Reunião de Mulheres Parlamentares do P20, realizada em julho em Maceió. Segundo as parlamentares, o evento de ontem, com a temática Rumo à implementação das recomendações da 1ª Reunião de Mulheres Parlamentares do P20 representa a continuidade do debate iniciado na capital alagoana.
Para a senadora Leila Barros, líder da bancada feminina no Senado, a carta é um instrumento fundamental para construir um futuro mais justo para homens e mulheres. “É uma ocasião especial entregar oficialmente a Carta de Alagoas. Esse documento é mais do que uma carta; é um compromisso concreto que precisa ser sustentado por ações legislativas e cooperação internacional”, defendeu.
Eleita coordenadora-geral dos Direitos da Mulher pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados em 2023, a deputada Benedita da Silva comemorou o avanço de promover um encontro exclusivo para mulheres parlamentares. Ela foi aplaudida durante seu pronunciamento, no qual destacou a histórica luta das mulheres pelos direitos básicos, tradicionalmente concedidos aos homens.
“Muitas pessoas ainda nos perguntam por que esse recorte, se somos todos iguais. Eu, então, questiono: se fosse assim, não teríamos levado 400 anos para obter o direito de votar e sermos votadas, e conquistar um assento no parlamento”, disse. Benedita ressaltou, ainda, a importância de um fórum onde a igualdade de gênero possa ser discutida nos temas do G20, como governança global, erradicação da pobreza e fome, sustentabilidade e justiça climática, sob a ótica de gênero e raça.
O papel da mulher foi destaque nas falas das lideranças nas três sessões de trabalho. “A autonomia das mulheres contribui para a redução da pobreza e para o desenvolvimento da sua comunidade, criando condições para que as mulheres possam prosperar economicamente”, ressaltou Leila.
A segunda secretária da Mesa da Câmara dos Deputados, deputada Maria do Rosário (PT -RS), que dirigiu a primeira sessão de trabalho, declarou que o P20 se torna “a marca profunda e compromisso com a justiça” do Brasil. A parlamentar pediu urgência no planejamento de medidas de prevenção às catástrofes climáticas, lembrando da tragédia que o Rio Grande do Sul enfrentou este ano. “Os mais pobres, mulheres, crianças, negros e negras, povos originários são os mais atingidos”, acrescentou.
Para Leila, o sucesso do foro será medido “pela nossa capacidade de transformar essas recomendações em ações práticas”. “Vamos trabalhar juntas para que nossos parlamentares, nossos cidadãos, e as futuras gerações possam viver num mundo mais sustentável e com igualdade de gênero”, prometeu, diante de representantes de quase 20 países presentes na Plenária.
Autonomia feminina
Ainda na abertura do evento, o presidente da Casa, Arthur Lira, enfatizou o aumento de mulheres eleitas nas recentes eleições municipais, que passaram de 16% para 18,2%. Ele reconheceu o papel do Observatório Nacional da Mulher na Política nesse avanço e mencionou as conquistas recentes das mulheres na política brasileira.
O presidente da Câmara ressaltou que a evolução social passa necessariamente pela valorização das mulheres. “Não há como falar de combate à fome, à pobreza e à desigualdade se não avançarmos na promoção da igualdade de gênero, da autonomia econômica feminina e da superação do racismo”, defendeu.
“Não há como falar em desenvolvimento sustentável sem abordar a posição das mulheres, especialmente aquelas em situações mais vulneráveis. São elas as que são as que mais sofremos impactos da mudança climática”, acrescentou.
Representação
Dos mais de dez países que discursaram no Plenário da Câmara, a primeira presidente da Assembleia Nacional da Angola, Carolina Cerqueira, destacou o P20 como uma “evolução inédita” para a comunidade internacional. Segundo ela, o parlamento Angolano tem 87 deputadas, um nível de representatividade de 39,5%, maior que a média mundial.
“Meu país tem duas particularidades interessantes: as mulheres constituem 51% da população de 36 milhões de habitantes. É um dos países mais jovens do mundo, com uma média de idade de 17 anos, e com alta taxa de natalidade: quatro filhos por mulheres. E isso nos traz grandes desafios”, relatou. Ela falou da dificuldade da mulher africana em ter acesso à educação, predominanemente em zonas rurais. “E quando ocupam cargos de liderança, enfrentam o preconceito de gênero, pois não acreditam que tenham chegado até ali por serem capazes”, contou, mencionando o impacto negativo que isso gera nas gerações futuras.
Carolina fez um apelo aos países desenvolvidos para ajudar os em desenvolvimento por meio de um apoio internacional para financiar bolsas para jovens e meninas e fortalecer programas de formação técnica voltadas para mulheres. “Devemos capacitar as mulheres com os recursos necessários para transformar sonhos e realidades”, argumentou.
A presidente da União Interparlamentar (UIP), Tulia Ackson, membro do parlamento da Tanzânia, em seus dois momentos de fala, abordou a importância da paridade nos governos. Mas que isso não suficiente. “Precisamos unificar a voz das mulheres e suas lideranças nos parlamentos e superar as barreiras persistentes que impedem as mulheres de participarem na vida política, com descriminação, assédio, e violência de gênero”, declarou.
Em um estudo sobre a violência de gênero contra as mulheres a nível global, Tulia informou que 80% das lideranças femininas sofreram violência psicológica em algum momento durante o mandato no parlamento. Em especial as mulheres jovens, com deficiência e demais minorias. “Isso não é aceitável, principalmente em instituições que deveriam ser exemplo”, afirmou.
O P20 terá programação ainda hoje e na sexta-feira, e contará com 127 parlamentares de 23 países, incluindo 14 presidentes e 13 vice-presidentes de parlamentos.
Frase
“Muitas pessoas ainda nos perguntam por que esse recorte, se somos todos iguais. Eu, então, questiono: se fosse assim, não teríamos levado 400 anos para obter o direito de votar e sermos votadas, e conquistar um assento no parlamento”
Benedita da Silva (PT-RJ), deputada federal