Título: A reforma na saúde
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, Outras Opiniões, p. A12

É inquestionável a importância dos hospitais. Mas o modelo de saúde hegemônico supervalorizou a unidade hospitalar. Este locus privilegiado de atenção foi apropriado como o único espaço de realização das ações de saúde, confundindo-se com o próprio sistema de saúde e inviabilizando a articulação efetiva de redes de serviços com uma inserção adequada dos hospitais. A reforma do sistema hospitalar do SUS vem sendo priorizada pelo governo do presidente Lula. Para a Organização Mundial de Saúde, o novo papel dos hospitais em sistemas integrados de saúde é de espaço para manejo de eventos agudos, incorporando densidade tecnológica compatível com suas funções e articulados com unidades de hospital-dia, serviços de atendimento pré-hospitalar e de internação domiciliar. O Plano Plurianual de Ação (PPA) e o Plano Nacional de Saúde definiram um conjunto de políticas que têm contribuído para mudanças importantes na rede hospitalar no SUS. O fortalecimento dos institutos sob administração direta do Ministério da Saúde (INCA, INTO, INCL) enquanto centros de referência para formulação de políticas e cooperação técnica (exemplo: o Projeto Suport do INTO está implementando cirurgias ortopédicas e formação de profissionais nas regiões norte e nordeste). A implantação do Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no SUS, com incentivo financeiro para redução gradual de leitos psiquiátricos e ampliação da rede extra-hospitalar.

O fortalecimento dos hospitais universitários, com a implantação de certificação, contratos de metas e orçamento global, é um marco na política de financiamento do SUS, substituindo o pagamento por procedimentos. Já envolveu os maiores hospitais universitários públicos e filantrópicos, com mais de R$ 500 milhões alocados em menos de dois anos como incentivo (os hospitais universitários federais estavam à beira da falência em 2002). Essa iniciativa está sendo estendida aos hospitais filantrópicos.

Também se investiu na recuperação dos valores das tabelas do SUS, especialmente, nos procedimentos de média complexidade achatados nos oito anos do governo passado ¿ foram dados reajustes em 2003 e 2004 acima da inflação (mais de R$ 2 bilhões em apenas dois anos) e outros aprovados para 2005. A criação de política para os hospitais de pequeno porte ¿ 43% dos hospitais na rede SUS têm menos de 30 leitos ¿ redefine seu papel (os estados do Ceará, Paraná e Sergipe já implantaram e outros estão em fase de implantação), garante melhores condições financeiras (adicional de R$ 200 milhões) e as articula com a rede básica através das equipes de saúde da família.

A implementação de um grande sistema de atendimento pré-hospitalar móvel, com centrais de regulação e equipes atuando 24 horas, foi uma boa surpresa para os pessimistas de plantão. Em apenas dois anos o Samu-192 (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência do SUS) já cobre quase 70 milhões de brasileiros, sendo a maior ação já desenvolvida no país para qualificar o atendimento de urgência/emergência. O projeto Qualisus está realizando investimentos nos principais hospitais de emergência nas grandes capitais.

O passo seguinte, para dar conta de enfrentar os graves problemas da assistência hospitalar do SUS, é a implantação de serviços de internação domiciliar, previsto para ser iniciado neste semestre, com implantação em larga escala em 2006. A internação domiciliar, debatida em seminários nacionais nos dois últimos anos, tem como principais vantagens e indicações: desospitalização de eventos desnecessários gerados pela falta de suporte ou pela exclusão social; processos de ¿alta precoce¿ garantindo assistência mais adequada e economicidade; períodos mais livres de intercorrências hospitalares em pacientes crônicos; e processo terapêutico com redução do sofrimento em situações de cuidados paliativos, tornando a atenção mais humanizada. Cada equipe de internação domiciliar pode dar atendimento simultâneo de 20 a 30 pacientes por mês. A decisão de sua implantação, enquanto política pública essencial para o SUS, definiu sua inserção no PPA e no orçamento do governo federal.

A implantação da internação domiciliar terá uma importância para o SUS da mesma dimensão que teve a implantação do Samu, a política para hospitais universitários e a política para os hospitais de pequeno porte. A internação domiciliar é o próximo passo na construção de uma atenção hospitalar no SUS que possa contribuir para o efetivo atendimento das necessidades de saúde de nossa população e um instrumento essencial para a defesa da vida. A melhoria da atenção hospitalar só se dará se o conjunto de ações forem desenvolvidas. Ações isoladas ou a interrupção de uma delas não permitirá o avanço planejado, portanto, cabe a todos os cidadãos cobrarem seus direitos.

Ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e ex-ministro da Saúde