Título: Petrobras vive incerteza na Bolívia
Autor: Ricardo Rego Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 19/12/2005, Economia & Negócios, p. A19
O governo brasileiro vai esperar a divulgação nas próximas horas do resultado oficial das eleições de ontem na Bolívia para começar a discutir com o provável presidente, Evo Morales - favorito nas pesquisas -, o futuro da Petrobras naquele país. Apesar das ameaças de retomada das refinarias da empresa, feitas por Morales na última semana, a percepção, tanto no Itamaraty quanto no Ministério de Minas e Energia, é de que tais promessas não passam de bravatas eleitorais.
Tal percepção se baseia em parte nas relações de amizade que unem Morales e o presidente Lula, que até chegou a declarar apoio ao líder dos plantadores de coca. O principal, porém, é que a empresa brasileira responde por nada menos do que 20% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele país, principalmente por meio da arrecadação de impostos. Nos últimos dez anos, US$ 1,5 bilhão foram investidos em solo boliviano pela estatal. Confiscar suas duas refinarias - em Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra - seria o mesmo que rasgar dinheiro.
- Vamos aguardar o resultado da eleição primeiro, para depois conversarmos sobre o assunto. Antes disso, não pretendemos comentar sobre a questão. Não cabe ao governo fazer considerações sobre assuntos internos da Bolívia - desconversou o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, quando questionado pelo JB.
De acordo com pesquisas divulgadas na última quarta-feira na Bolívia, Evo Morales lidera a disputa pela presidência com 34,2% das intenções de voto. Seu principal adversário, o ex-presidente Jorge 'Tuto' Quiroga, aparece na pesquisa com 29,2%.
O próprio Silas, no entanto, deixou escapar que as ameaças de Morales não passam de promessas com prazo de validade. Elas deverão ser esquecidas no momento em que o 'cocaleiro' candidato completar a metamorfose para presidente. Em menor escala, espera-se no primeiro escalão do governo brasileiro o repeteco do fenômeno vivido pelo próprio Lula, que de depositário das esperanças da mais radical esquerda, passou à condição de fiador da Carta ao Povo Brasileiro, que representou o grande marco de mudança na trajetória do PT à Presidência da República.
Desde o ano passado, a Bolívia mantém uma trajetória progressiva de radicalização, que resultou na queda dos presidentes Gonzalo Sanches de Lozada, em outubro de 2003, e Carlos Mesa, em junho de 2005. Em 18 de julho do ano passado, 92% dos bolivianos aprovaram, em referendo, a nacionalização das reservas de gás boliviano, por meio da Lei de Hidrocarbonetos. A lei determinou a taxação em 32% das operações das empresas estrangeiras de petróleo no país, que já recolhiam royalties de 18%. Com isso, a receita estimada pelo governo boliviano para 2005 chegou a US$ 1,1 bilhão, ante os US$ 200 milhões arrecadados em 2004.
A intenção agora, segundo o vice-presidente na chapa de Morales, Alvaro García Linera, é garantir a retomada das duas refinarias por meio de negociações diretas com a Petrobras. Segundo o candidato, a intenção é comprar as duas unidades ''em condições especiais''. As duas refinarias processam em média 40 mil barris de petróleo líquido e de gás natural por dia.