Correio Braziliense, n. 22522, 15/11/2024. Economia, p. 7

Pacote fiscal em compasso de espera
Raphael Pati


Com a chegada do feriado da Proclamação da República e da reunião da cúpula do G20, nos próximos dias 18 e 19 de novembro, o governo federal faz uma pausa nas negociações que envolvem o anúncio de novas medidas para fortalecer o arcabouço fiscal e reduzir as despesas do orçamento da União. Como ontem, as atenções estavam todas dirigidas aos desdobramentos das explosões na praça dos Três Poderes — e a Esplanada dos Ministérios praticamente parada —, não houve cobranças da equipe econômica.

A expectativa geral é de que o pacote fiscal — como tem sido chamado — seja encaminhado ao Congresso Nacional somente após o fim do encontro de líderes globais, na semana que vem. Sem definições e com poucas informações, o pacote segue na mesa do governo federal e da equipe econômica. No início da semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia adiantado que até ontem as medidas seriam anunciadas. Na quarta-feira, após reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o prazo ficou mais distante.

Haddad, que foi à Câmara para apresentar a Lira “uma visão geral” das propostas que estão sendo pensadas, disse que ainda esperava uma confirmação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre quais medidas devem entrar no pacote. Na noite de ontem, os dois se encontraram novamente, mas ainda sem novas previsões sobre quando deve ser encaminhado ao Congresso. O ministro da Fazenda afirmou que não vê “tempo hábil” para entregar as propostas ainda esta semana e que novas medidas ainda podem ser incluídas neste bolo.

“Ainda não sei se há tempo hábil. Se o presidente autorizar, anunciamos. Mas o mais importante é, assim que ele der a autorização, nós vamos estar prontos para dar publicidade aos detalhes do que já está sendo dito”, afirmou Haddad. Ao Correio, o Ministério da Fazenda ressaltou que ainda não há previsão definida para o envio dos projetos ao Congresso e reforçou que isso só será definido após a aprovação de Lula.

O ministro afirmou que a reunião com Lira serviu para dar “linhas gerais” sobre o tema, mas que preferiu não revelar valores, no momento. Mais cedo, Haddad esteve com o ministro da Defesa, José Múcio, e integrantes das Forças Armadas, para tratar sobre os possíveis cortes em benefícios previdenciários dos militares. Sem dar mais detalhes, o ministro destacou que os co mandantes foram solícitos em contribuir com o pacote.

“Falamos com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, apresentamos os argumentos e as ideias, e eles colocaram as equipes técnicas à disposição do Tesouro Nacional que está capitaneando pela Fazenda o debate com eles”, disse Haddad. Além de Múcio, também estavam presentes o general Tomás Paiva, comandante do Exército; do tenente-brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, comandante da Aeronáutica; e do almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha.

Também participaram da reunião o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e o secretário-executivo do MF, Dario Durigan. No encontro, o ministro não falou de valores, mas fez um apelo aos militares para que reconheçam a necessidade de aprovar o pacote que reforçaria o arcabouço fiscal.

A expectativa é que haja uma redução do número de benefícios a parentes e familiares próximos, como pensões vitalícias para as filhas solteiras de integrantes das Forças Armadas. A Fazenda também deve se balizar em um relatório publicado no último mês de junho pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que revelou que o deficit per capita na previdência militar supera em 16 vezes o do regime geral pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Alívio no mercado

Ontem, os principais indicadores do mercado permaneceram estáveis, com os agentes ainda cautelosos em relação ao novo pacote. Sem a confirmação de valores, os investidores devem aguardar as novidades que podem surgir ao longo da próxima semana. O Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa/B3) ficou no zero a zero e encerrou a semana com leve alta de 0,05%. O dólar também ficou estável, com queda de apenas 0,02%. A moeda norte-americana, no entanto, subiu 1,71% nos últimos 4 dias e encerrou a semana cotado a R$ 5,79.

Para o analista da Ouro Preto Investimentos Sidney Lima, o mercado ainda espera sinais concretos quanto à proporção dos cortes e como ele se dará na prática. “Contudo, ontem (dia 13), o ministro Haddad, amenizou um pouco das preocupações ao fazer algumas declarações mais firmes relacionadas aos parâmetros dos cortes de gastos, além de reforçar o compromisso com o arcabouço. Isso fez com que o Ibovespa se mantivesse em terreno estável, com uma leve alta, mesmo com o mercado norte-americano em queda”, avalia.

Na avaliação do professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto Luciano Nakabashi, a questão dos militares exige uma nova reforma da Previdência, para promover mudanças estruturais, diante do atual cenário que envolve envelhecimento populacional e diminuição da taxa de natalidade. Por conta disso, o especialista acredita que apenas um pacote não será suficiente para resolver o problema na raiz.

“O que preocupa muito o Brasil é a tendência da dívida pública em relação ao PIB. Fazer pacotes de reajuste de gastos acaba sendo uma coisa muito paliativa, que dá uma segurada naquele momento, mas não altera muito a tendência. A única forma é você ter uma alteração estrutural de gastos, para fazer com que essa tendência de os gastos aumentarem mais do que o PIB seja alterada”, considera. O Monitor Fiscal, relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), prevê que a dívida pública encerrará o ano em 87,6% do PIB.

Já na percepção do professor de Economia do Ibmec-DF William Baghdassarian, o mercado ainda está pessimista em relação ao tamanho do corte e a política fiscal do governo, como um todo. “Há uma má vontade em se cortar gastos e também uma percepção de impotência. O governo não tem muita força política para cortar, e aí o valor que se vai cortar não vai ter muita relação com a situação atual”, reforça.