Título: Oportunidade de ouro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/12/2005, Outras Opiniões, p. A12

O líder cocaleiro, agora, presidente Evo Morales, tem nas mãos uma oportunidade histórica de provar que a esquerda sul-americana não apenas tem talento para ser eleita, mas também para governar. Recorde de votação no país - mais de 50% dos três milhões de eleitores registrados o escolheram -, Morales chega ao poder para dar voz à população boliviana sempre silenciada pelas oligarquias.

Antes dele, Gonzalo Sánchez de Lozada havia recebido 36% dos votos. Pagou a conta de seus erros ao ser derrubado do cargo depois da chamada ''guerra do gás'', em 2003. Passara-se, então, apenas um ano da eleição que o levou ao poder. Hoje, a Bolívia quer colocá-lo na cadeia.

Correr o mesmo risco não é opção para Morales. A ironia aqui é que o futuro da Bolívia parece residir na possibilidade real de o fator determinante para a eleição - a esperança depositada no discurso pela maioria oprimida - voltar-se contra seu governo se não mostrar rapidamente a que veio. Contexto que soa bastante familiar no Brasil, guardadas as devidas proporções.

Lá, Morales assumirá o governo em 22 de janeiro com prazo para cumprir as promessas: 90 dias. É o prazo de duração do voto de confiança dos movimentos sociais e centrais sindicais. Caso contrário, vão parar o país. Estratégia que ele próprio sempre defendeu como instrumento de luta pelos direitos de seus eleitores.

Há quem aposte que o novo presidente tem como única saída evitar a traiçoeira e sedutora armadilha da fanfarronice. A América do Sul não precisa de um novo Chávez. Espera-se que Morales mantenha o foco em medidas reais para garantir a seus cocaleiros o que a atual oposição sempre negou: renda digna e educação.

Não vai ser fácil. Especialmente porque, a qualquer movimento que faça para o centro, o presidente terá no encalço a esquerda mais ortodoxa que o ajudou. Precisará ser um mestre em diplomacia e paciência, duas qualidades também necessárias ao próprio Brasil. Afinal, no centro das promessas do cocaleiro está a nacionalização das reservas de gás natural do país, o que atinge em cheio a Petrobras.