Título: O muro e a Alca
Autor: Sergio Ferolla e Paulo Metri*
Fonte: Jornal do Brasil, 22/12/2005, Outras Opiniões, p. A13

Nesse período de festas natalinas, bem propício para aqueles inocentes que ainda acreditam em Papai Noel, a próxima construção de um vergonhoso muro separando os territórios do México e dos Estados Unidos deve ter causado um forte lampejo da dura realidade que envolve a tão badalada, descrita como benéfica e assimétrica integração entre os países que compõem o Nafta. Com uma linha de fronteira de três mil quilômetros, a proximidade do México com a grande potência do Norte deveria ser, pelas cláusulas inseridas no acordo do Nafta, motivo facilitador do prometido desenvolvimento resultante da abertura dos mercados, com acesso às modernas tecnologias, mais postos de trabalho e possibilidade de colocação de bens e serviços mexicanos no mercado americano, dentre tantas outras hipotéticas promessas que muitos incautos ou mal intencionados líderes ainda defendem com ardor, em todo o continente latino-americano.

Em fevereiro de 2002, ao ser entrevistada por um grande jornal de São Paulo, Lori Wallach, diretora de comércio global da ONG americana Public Citizem, questionada se o Nafta foi bom negócio para o México, declarou textualmente que ¿o Nafta não foi bom para nenhum dos três países que o firmaram, mas o México ficou com a pior parte e acho que ocorreria o mesmo com o Brasil na Alca. Os grandes do agronegócio americano, como Del Monte e Green Giant, compraram fazendas. Os pequenos agricultores deixaram suas terras e hoje recebem cinco pesos por dia para trabalhar nas grandes multinacionais (maquiladoras), que, por sua vez, reexportam seus produtos de volta para o México¿.

Como o vetor que orienta esses pretensos acordos de integração tem orientação do Norte para o Sul, garantindo aos estrangeiros livre acesso ao mercado varejista, foram deslocados do mercado mexicano os fabricantes locais de bens de consumo, como sapatos, brinquedos e produtos de culinária, além da substituição maciça no setor dos serviços. Em decorrência, a população empobrecida e excluída passou a buscar acesso ao ¿eldorado¿ do grande irmão, mesmo sabendo que lhes estão reservados postos de trabalho insalubres e mal remunerados.

No início dos anos 90, em seu livro O império e os novos bárbaros, J.C. Rufin mostrava que com o fim da Guerra Fria uma nova forma de ameaça surgiria para os desenvolvidos povos do hemisfério Norte, com o acirramento de um novo confronto com o Sul empobrecido e excluído. Como ocorreu na época do Império Romano, seria necessário erigir um limes, uma fronteira ideológica, para barrar o que era considerado como ¿estrangeiro¿, os povos da terra incognitae, num verdadeiro apartheid social. O limes da nova feição imperial seria constituído por Estados-tampão, ¿com incipientes projetos da prosperidade do Norte e, ao mesmo tempo, anteparos às hordas de bárbaros¿.

Os inocentes representantes de setores da elite brasileira, porta-vozes das benesses dessa proposta de integração das Américas, perplexos, esperamos, identificam a verdadeira e amaldiçoada face dos interesses hegemônicos norte-americanos, com a aprovação das recentes medidas para a construção de uma barreira física, além da severa repressão policial, isolando de vez os territórios do Sul e sua gente espoliada. O Nafta e a Alca, assim como a globalização proposta para o mundo, envolve o acesso dos desenvolvidos aos mercados, às riquezas minerais e aos parques industriais dos subdesenvolvidos, mas não envolve o acesso destes últimos aos postos de trabalho dos primeiros. O muro da vergonha joga por terra as inocentes histórias dos benefícios e vantagens que o Papai Noel prometeu propiciar à América do Sul e ao Brasil.

*Sergio Xavier Ferolla, tenente-brigadeiro-do-ar, é membro acadêmico da Academia Nacional de Engenharia. Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia