Correio Braziliense, n. 22526, 19/11/2024. Política, p. 2
Em vitória do Brasil, a aliança contra a fome
Mayara Souto
Victor Correia
Iniciativa do Brasil na presidência do G20, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza recebeu a adesão em peso do grupo dos países mais ricos do planeta. O pacto teve o aval de 148 nações e organizações internacionais.
Os líderes também chegaram a um consenso sobre a declaração final do grupo. Além da adesão à Aliança Global contra a fome, apoiaram a taxação dos super-ricos e pediram o fim da guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza.
A primeira sessão da cúpula foi marcada pelo lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou que 733 milhões de pessoas passam fome no mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês).
"É como se as populações de Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome. São mulheres, homens e crianças, cujo direito à vida e à educação, ao desenvolvimento e à alimentação são diariamente violados", declarou em seu discurso de abertura. "Em um mundo que produz quase seis bilhões de toneladas de alimentos por ano, isso é inadmissível. Em um mundo cujos gastos militares chegam a US$ 2,4 trilhões, isso é inaceitável."
A aliança recebeu a adesão de 82 países, além da União Africana, da União Europeia, de 24 organizações internacionais, de nove instituições financeiras internacionais e de 31 organizações filantrópicas e não-governamentais. O objetivo da iniciativa é formar uma rede de apoio entre países e organizações para a troca de experiências bem-sucedidas, conhecimento para implantar ações e buscar financiadores.
O acordo internacional pretende alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1 e 2, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que preveem a erradicação da fome e a diminuição da pobreza. "Esse será o nosso maior legado", disse Lula, sobre a presidência brasileira à frente do G20 neste ano.
O texto final reconhece que o mundo já possui recursos e conhecimento suficiente para erradicar a fome. O que falta, de acordo com o grupo, é a vontade política para expandir o acesso aos alimentos.
"O G20 representa 85% dos US$ 110 trilhões do PIB mundial. Também responde por 75% dos US$ 32 trilhões do comércio de bens e serviços e dois terços dos 8 bilhões de habitantes do planeta. Compete aos que estão aqui, em volta desta mesa, a inadiável tarefa de acabar com essa chaga (a fome) que envergonha a humanidade", destacou Lula.
A declaração defende que, para alcançar a erradicação da fome, sejam incentivadas ações de transferência de renda, programas locais de alimentação escolar, fortalecimento da proteção social, melhoria do acesso ao microcrédito e do sistema financeiro formal e apoio à agricultura familiar.
O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Wellington Dias, afirmou que, com os recursos e as adesões atuais, já é possível realizar transferência de renda para 500 milhões de pessoas em países de baixa renda, e 150 milhões de crianças devem ser atendidas com alimentação escolar.
A iniciativa terá sede em todas regiões do mundo, uma delas será em Brasília, que representará a América do Sul. De acordo com o ministro, as outras devem funcionar em Roma, na Itália (Europa), Washington, nos Estados Unidos (América do Norte), Addis Ababa, na Etiópia (África) e Bangkok, na Tailândia (Ásia).
O comando da Aliança se dará pelo chamado Conselho de Campeões, composto por países e organizações que foram criadoras da ideia e representam a diversidade da aliança. O principal papel do grupo é motivar politicamente a participação das nações na iniciativa e angariar financiamento. Até o momento, são 18 membros — Brasil, China, Bangladesh, Alemanha, África do Sul, Reino Unido, Noruega, Portugal, União Europeia e organizações como Unicef, OCDE e WFP.
A Argentina resistiu, até o último momento, a aderir à Aliança. O país tinha sido muito criticado por não assinar a resolução final do Grupo de Trabalho das Mulheres, porque o texto usou o termo "igualdade de gênero". Fontes ligadas ao governo brasileiro acreditam que a decisão de assinar o pacto se deu como uma forma de não isolar o país, após a péssima repercussão do episódio.
Diplomatas brasileiros afirmam que o documento estava pronto desde domingo e que as negociações eram para convencer o presidente argentino, Javier Milei, a assinar o documento. Apesar de também criticar a tributação dos super-ricos, ele assinou o consenso que prevê a tributação dos 2% mais abastados do mundo — o que, segundo discurso de Lula, injetaria R$ 250 bilhões na economia mundial. A tributação deverá ocorrer de maneira progressiva e ser usada para beneficiar programas sociais.
Ausências na foto oficial
A primeira foto oficial do G20 em dois anos teve três ausências importantes: o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os primeiros-ministros do Canadá, Justin Trudeau, e da Itália, Giorgia Meloni. Os três chegaram atrasados ao local onde foi feito o registro — o Museu de Arte Moderna (MAM) —, quando os demais chefes de Estado já se dirigiam ao próximo compromisso. Biden e Trudeau estavam em uma reunião bilateral, que acabou demorando mais tempo do que o previsto. Já Meloni não justificou a demora.
Frieza com Milei
O presidente Lula abraçou ou sorriu para todos os convidados que chegaram, ontem, ao Museu de Arte Moderna, exceto para um deles: o presidente argentino, Javier Milei. Com uma expressão dura, o petista estendeu a mão para dar as boas-vindas ao chefe de Estado argentino, que chegou acompanhado da irmã, Karina. Em seguida, os dois posaram para uma foto com gestos comedidos. Aliado do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, Milei chamou o colega brasileiro de “ladrão” e “corrupto”, e Lula respondeu que o argentino diz “muita bobagem”.