Título: ''Crédito é o oxigênio das empresas''
Autor: Sérgio Aguiar
Fonte: Jornal do Brasil, 17/11/2004, Economia, p. A-20

Interiorização da economia do Estado do Rio de Janeiro, redução e simplificação da carga tributária, fortalecimento das pequenas e microempresas e estímulo ao associativismo ¿ são os quatro pontos essenciais da Carta de Teresópolis, documento que a Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) acaba de lançar, como resultado do Encontro de Empresários do comércio de bens e serviços realizada há pouco naquela cidade serrana. Ao defender estes postulados, o presidente da entidade, Orlando Diniz, enfatiza o excepcional papel que as pequenas e microempresas vêm realizando na economia brasileira, inclusive pela capacidade de produzir postos de trabalho. Mas adverte para o emaranhado de dificuldades que pesam sobre o setor que, em suas palavras, congrega ¿os mais numerosos, ousados e promissores empreendedores e que constituem o contingente mais vulnerável da cadeia produtiva¿. ¿ Qual é a participação do comércio na economia do Estado do Rio de Janeiro? ¿ O comércio de bens e serviços representa mais de 370 mil empresas, em sua grande maioria de micro e pequeno porte. Responde por cerca de 30% do PIB do Estado do Rio de Janeiro e gera quase 1,8 milhão de postos de trabalho, o que significa mais de 60% dos empregos formais em todo o Estado.

¿ Essa potencialidade econômica tem sido reconhecida? ¿ A potencialidade é reconhecida não só pela sociedade civil como também pelas esferas do governo com as quais temos desenvolvido proveitosas parcerias. Uma de nossas preocupações tem sido sustentar esses pleitos e sugestões com o máximo de informações a fim de facilitar a discussão e a viabilização dessas parcerias. Não desejamos privilégios, mas condições para tornar o comércio de bens e serviços cada vez mais forte. Com esse propósito, acabamos de encaminhar ao governo do Estado, a Carta de Teresópolis, que nasceu do encontro de empresários do setor recentemente realizado na cidade serrana.

¿ O que significa a Carta de Teresópolis? ¿ O documento exprime os anseios do setor, com vistas à dinamização das atividades empresariais, ao fortalecimento da economia do Estado do Rio, à incorporação de novos agentes à cadeia produtiva com geração de emprego e de renda e à melhoria das condições de vida da população. Enfim, a Carta de Teresópolis sintetiza alguns postulados capazes de impulsionar e de acelerar o desejado progresso do Estado.

¿ Quais são esses postulados? ¿ Em essência, resumem-se a quatro capítulos: interiorização do desenvolvimento; fortalecimento das pequenas e microempresas; redução e simplificação da carga tributária e estímulo ao associativismo, que se desdobram em vários outros temas. Através deles, procuramos apontar caminhos e sugerir iniciativas capazes de harmonizar desenvolvimento econômico, inclusão social e respeito ao meio ambiente. As recomendações da Carta de Teresópolis agregam a experiência e o conhecimento do segmento empresarial com maior potencial de crescimento rápido e consistente, quando sustentado em bases adequadas ao seu porte contributivo, à sua expressiva capacidade multiplicadora de riquezas.

¿ Qual a importância da interiorização no desenvolvimento de um estado com as características do Rio de Janeiro? ¿ A interiorização da nossa economia leva em conta o quadro de extrema saturação que caracteriza, hoje, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Nela se concentra 76% dos habitantes do Estado, bem como 77% do PIB estadual, 85% do poder de compra da população e o recolhimento de 91% da arrecadação de ICMS. Este quadro mostra a necessidade de implantação de um abrangente programa de descentralização das atividades produtivas, respeitando e privilegiando as vocações de cada região. A descentralização da geração de riquezas possibilitará reduzir desequilíbrios regionais e as desigualdades sociais, manter a população em seus municípios de origem, com a melhoria da qualidade de vida, evitando a migração do interior e da área rural para os grandes centros. Este potencial é atestado pelo sucesso dos empreendimentos que já tomaram o rumo do interior e a atração de novos projetos para as áreas contempladas, e que ainda se acham longe de esgotar a capacidade de crescimento. A interiorização do desenvolvimento também significa fortalecimento e crescimento do mercado consumidor.

¿ A interiorização significará o fortalecimento das pequenas e microempresas? ¿ Sem a menor dúvida. O fortalecimento das pequenas e microempresas requer a adoção de uma série de providências que não podem ser postergadas. Afinal, os pequenos empreendedores detêm o maior potencial de crescimento econômico e de inclusão social do país. Algumas medidas de apoio já foram adotadas, mas as pequenas empresas ainda se acham submetidas a um manancial de dificuldades. São obrigadas a enfrentar falta de crédito, altíssimas taxas de juros, enorme carga tributária e um emaranhado de 20 mil leis ordinárias e 200 complementares, sem falar na multiplicidade de decretos, regulamentos e portarias, muitas vezes conflitantes. Em conseqüência, mais da metade desses empreendimentos não consegue completar três anos de existência e um terço fecha antes do primeiro aniversário. Isto reflete uma realidade perversa, na qual os mais numerosos, ousados e promissores empreendedores constituem o contingente mais vulnerável da cadeia produtiva.

¿ Qual é, então, o grande entrave ao desenvolvimento desse setor? ¿ A falta de acesso ao crédito. O crédito é, sem dúvida, o oxigênio que mantém as empresas vivas e atuantes. Sobretudo no comércio de bens e serviços, que depende essencialmente de financiamento tanto para a sua própria atividade, quanto para os clientes. No entanto, como as organizações de grande porte são aquelas de maior acesso ao crédito, a melhoria do desempenho econômico ainda se acha fortemente concentrada. É preciso oferecer às pequenas e microempresas condições semelhantes às dos grandes. Elas continuam aguardando que os mecanismos de agilização e desburocratização ao crédito sejam efetivamente disponibilizados.

¿ Em que medida a burocracia dificulta as micro e pequenas empresas? ¿ É incalculável o efeito maléfico do cipoal burocrático à vida dessas empresas. Precisamos reduzir o excesso das exigências administrativas. Um instrumento eficaz na desburocratização do ambiente econômico onde atuam as empresas do comércio de bens e serviços seria a adoção de cadastro único, de modo a que uma inscrição servisse, automaticamente, como registro nos níveis federal, estadual e municipal. A medida simplificaria a abertura e a baixa das empresas, assim como seu funcionamento cotidiano. Esta questão remete às grandes diferenças de definições de pequenas e microempresas nas esferas municipal, estadual e federal. O desacordo de enquadramento gera altos custos na gestão dos estabelecimentos de menor porte, muitas vezes anulando benefícios fiscais derivados de sua condição de micro ou pequena empresa. Esta dificuldade seria minimizada com a adoção de um critério unificado na definição da micro e pequena empresa, sobretudo quanto aos valores de enquadramento. A regra deveria englobar dispositivos de atualização anual desses valores, de modo a refletir a evolução da economia como um todo.

¿ O que seria indispensável fazer para apoiar a pequena e microempresa? ¿ É necessidade urgente libertá-las dos entraves burocráticos, das dificuldades de creditícias e da asfixia fiscal. As medidas de apoio às pequenas e microempresas podem ser resumidas numa única palavra: simplificação. É preciso, portanto, simplificar as exigências administrativas tanto para registro das firmas como para manutenção dos negócios; eliminar o descompasso da tributação federal, estadual e municipal; redirecionar a fiscalização, tornando-a mais orientadora que repressiva; flexibilizar as relações de trabalho; e, obviamente, facilitar o acesso ao crédito, além de praticar juros suportáveis.

¿ E a questão da carga tributária? ¿ Não apenas o comércio, mas todos os setores produtivos sofrem as conseqüências de uma das maiores cargas tributárias do planeta. A questão engloba várias vertentes e as três esferas do governo. A recente reformulação da Cofins e do PIS, que tiveram alíquotas aumentadas em mais de 150%, provocou distorções no processo de arrecadação, sobretudo para o setor de serviços. Feriu o princípio da isonomia tributária, beneficiando alguns segmentos em detrimento de outros, que acabaram fortemente prejudicados.

¿ O senhor costuma mencionar o associativismo como uma das bandeiras da Fecomércio-RJ. Por quê? ¿ É fundamental estimular o associativismo no Brasil e, particularmente, no Estado do Rio de Janeiro, por meio da criação de instrumentos capazes de colocar as pequenas e microempresas em posição cada vez mais competitivas. Dar-lhes condições para enfrentar um mercado regido pela alta capacitação e pelas avançadas tecnologias. Assim, é necessário não somente difundir as vantagens das ações coletivas, mas também estimular e facilitar a cooperação entre empresas, a exemplo dos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs), baseados no conceito da aglomeração espacial de agentes econômicos, políticos e sociais, visando a potencializar e estabelecer sinergias de comportamentos.

¿ Nesse contexto, qual a sua opinião sobre as cooperativas de crédito? ¿ Defendemos firmemente a criação e implantação de cooperativas de crédito, como alternativa à dependência do sistema bancário convencional. Elas devem ser estimuladas especialmente em benefício das micro e pequenas empresas, como instituições de fomento às atividades produtivas. As cooperativas são poderosas ferramentas de apoio e suporte na gestão do crédito, com reduzidos custos operacionais e maior flexibilidade para os associados.