Título: Dia de tensão e trégua na Câmara
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 18/11/2004, País, p. A5

Acordo costurado entre governo e oposição permite votação da primeira medida provisória que trancava a pauta

As desconfianças e divergências foram deixadas de lado, pelo menos ontem, e a Câmara retomou o trabalho no plenário. Um acordo envolvendo governistas e parlamentares de oposição permitiu a votação da primeira medida provisória que trancava a pauta, destinando R$ 2,5 bilhões para a modernização do parque industrial brasileiro. O projeto faz parte da política industrial, lançada em março, uma das principais demandas do setor privado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo texto, 10% destes recursos podem ser utilizados para a compra de máquinas com até 10 anos de uso. Até a noite de ontem, havia a possibilidade, embora remota, de se votar mais uma MP, criando cargos em diversos órgãos do governo federal.

Foi mais um dia de tensão na Câmara. A votação da MP da Modermaq só foi possível porque ela perderia a validade na próxima semana e os líderes, especialmente da bancada governista, não queriam arcar com mais este desgaste à imagem da Casa. O texto precisa ser aprovado hoje no Senado.

- O desgaste da Câmara está muito forte. O governo começou a cumprir seu papel, mas temos que reconstruir o diálogo com o Executivo - resumiu o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES).

Não foi uma decisão fácil. Durante quatro horas trancados na liderança do governo, os líderes aliados discutiam o que fazer. Todos concordavam num ponto: forçar o Executivo a dar mais atenção para a bancada governista. As estratégias variavam. Alguns defendiam uma suspensão gradual da obstrução. Outros, como o PP e o PMDB, mantinham a posição irredutível.

Nem mesmo a publicação de uma portaria no Diário Oficial, liberando R$ 260 milhões para emendas parlamentares, além de outros R$ 168 milhões de verbas da saúde, foram suficientes para diminuir o gosto amargo na boca de aliados. O PP, por exemplo, tem reclamado de alguns cargos ainda não contemplados, além de demonstrar publicamente suas reclamações contra a política econômica.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), também teve um dia de nervosismo. Em pelo menos três declarações - um discurso, uma entrevista e uma intervenção em plenário - demonstrou que atingira o limite nas negociações. Irritou-se também com perguntas sobre a emenda da reeleição.

- Vocês, jornalistas, não estão acostumados com sinceridade e transparência absolutas. Vocês ficam acreditando em bastidores. Eu estou falando na tevê, no rádio, no jornal, que não vai haver reeleição - afirmou, com raiva.

João Paulo teve de confirmar isso aos deputados. Ao expor a pauta de votações até o fim do ano, não incluiu a emenda da reeleição. O deputado João Fontes (PSOL-SE) insistiu para que o tema entrasse em pauta. João Paulo afirmou que ia estudar, mas deu claras demonstrações de que pretende sepultar a história.