Título: População vai decidir sobre plantio de coca
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/12/2005, Internacional, p. A8

O presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, declarou ontem que vai convocar um referendo para a regulamentação do plantio de coca, usada tanto para a produção de cocaína quanto para fins medicinais. O cocaleiro propôs também um pacto com os Estados Unidos para combater o narcotráfico. Morales não detalhou qual será a pergunta formulada à população. O governo atualmente restringe a produção da coca e tentou implementar uma campanha agressiva de erradicação da folha, patrocinada pelos EUA. O futuro presidente, por sua vez, disse que vai estudar a ampliação do plantio legalmente autorizado, sem, no entanto, liberar a produção ilimitada.

O socialista, que será o primeiro indígena da América Latina a assumir o poder, afirmou que sua política anti-drogas será ¿zero cocaína, zero tráfico¿:

¿ Porém, não se pode entender a idéia como zero coca ou zero cocaleiros. É preciso mudar isso ¿ disse, numa entrevista coletiva ontem, em La Paz.

Na Bolívia, estão reconhecidos como legais, atualmente, 15.200 hectares de cultivo de coca para atender à demanda interna tradicional. No final de 2004, havia outros 12 mil hectares ilegais que deveriam ser erradicados, segundo o Escritório contra a Droga e o Crime, da ONU. Um acordo do ano passado, quando Carlos Mesa era presidente, permitiu que cada plantador tivesse direito a um `cato¿ (40x40 metros de plantação), limitando a produção a usos tradicionais.

A maioria dos cultivos está localizada em ranchos familiares. Há milhares de anos, a população andina mastiga folha de coca para usos medicinais. A planta também é comercializada em forma de chá.

Morales defendeu, ainda, uma política mundial equitativa, por não considerar ¿possível que a coca seja descriminalizada para a Coca-Cola e penalizada para a região andina¿.

O presidente eleito sugeriu uma ¿aliança de luta efetiva¿ com os EUA contra o narcotráfico. Morales, que provocou ao repetir o slogan ¿morte ao ianque¿, disse que o narcotráfico ¿não pode seguir sendo uma desculpa do governo americano, um pretexto com interesses geopolíticos¿, para ¿aumentar seu poder e seu controle sobre os governos bolivianos¿.

¿ Vamos combater o narcotráfico, mas sem intervenção policial ou militar ¿ afirmou, ressaltando que, sob o pretexto do combate ao tráfico de drogas, ¿as Forças Armadas nacionais são subordinadas às forças armadas estrangeiras¿.

O cocaleiro prometeu administrar, assim que assumir a presidência, no dia 22 de janeiro, a legalização internacional da coca. Morales afirmou que sua proposta não implica liberar o narcotráfico, mas ¿retirar a folha de coca da lista de venenos das Nações Unidas¿:

¿ Não é possível que a folha de coca continue submetida a uma prisão domiciliar. É legal na Bolívia, mas não é legal na comunidade internacional ¿ afirmou o presidente eleito, que fez sua carreira política com base na defesa do cultivo da chamada ¿folha sagrada¿.

O presidente eleito anunciou, ainda, que os movimentos sociais farão parte de seu governo, a fim de colocar em prática ¿um programa que devolva hegemonia econômica ao Estado, recupere a propriedade de recursos nacionais e nacionalize os hidrocarbonetos¿. Morales confirmou que impulsionará uma reforma profunda no regime de terras.