Correio Braziliense, n. 22534, 27/11/2024. Política, p. 2
Bolsonaro planejou e atuou no golpe, diz PF
Renato Souza
Mayara Souto
Vanilson Oliveira
Em um relatório de 884 páginas, a Polícia Federal descreve um passo a passo minucioso de uma tentativa de golpe de Estado que foi planejada no Brasil entre 2021 e 2022. De acordo com a corporação, o ex-presidente Jair Bolsonaro é a peça central das intenções antidemocráticas: foi o autor da edição de uma minuta golpista, conduziu reuniões com os comandos das Forças Armadas para tentar atrair apoio e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e, por fim, seria beneficiado com um plano de fuga, elaborado por militares, em caso de fracasso da investida contra o Estado Democrático de Direito.
De acordo com a PF, Bolsonaro conduziu reuniões golpistas no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada, com o objetivo de impedir a posse de Lula e do vice Geraldo Alckmin, mudar a composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se manter no poder e, posteriormente, convocar novas eleições.
Uma minuta escrita a mão e apreendida na sede do PL, em Brasília, na mesa de um assessor de Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, deixa claro que Lula não poderia subir a rampa. A PF aponta que esse documento é uma referência clara ao golpe que estava sendo tramado.
O relatório traz mensagens que foram apagadas ainda em 2022 e recuperadas pelos investigadores, documentos, minutas, a descrição de áudios e slides com o cronograma de como o Brasil sofreria mais um golpe, 40 anos após o fim do regime militar que durou 21 anos.
O documento mostra ainda que Bolsonaro recebeu do então assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Garcia Martins, e do advogado Amauri Feres Saad uma minuta de decreto para o golpe de Estado. Nela, estava prevista uma ruptura institucional para impedir a posse do governo eleito por meio da Decretação do Estado de Defesa, no âmbito do TSE, e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
Inicialmente, o documento previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, além do Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). No entanto, Bolsonaro teria alterado a resolução, prevendo a prisão somente de Moraes.
Em 6 de dezembro, de acordo com as investigações, o então ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, outros militares e Bolsonaro se reuniram no Alvorada para fazer alterações no documento que serviria como decreto. No dia seguinte, o então presidente apresentou o texto para os comandantes das Forças Armadas.
Conforme a corporação, o chefe da Marinha, almirante Garnier, concordou e colocou suas tropas à disposição para impedir a posse de Lula. Os comandantes do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB) não concordaram e disseram que não atuariam em qualquer ação que tivesse como objetivo impedir a posse do governo eleito.
Ante a recusa dos chefes da FAB e do Exército, Bolsonaro se reuniu com o general Estevam Theóphilo para obter apoio terrestre para a execução do golpe. Os investigadores apontam que o militar aceitou participar da empreitada. Theóphilo é um dos 37 indiciados pela corporação.
O nome do ex-presidente é citado 535 vezes no relatório, e Cid, 417 vezes. Procurada pelo Correio, a defesa de Jair Bolsonaro não quis comentar as revelações do documento. A defesa do almirante Garnier sustentou que ele é inocente.
Sede do PL
A minuta golpista apreendida pela PF na sede do PL, em Brasília, dizia que Lula da Silva não iria subir a rampa do Palácio do Planalto. De acordo com os investigadores, o item fazia parte do plano para dar um golpe de Estado. O documento manuscrito aponta o passo a passo de uma ação chamada de Operação 142, em referência ao artigo da Constituição que trata do papel das Forças Armadas. “Ainda na análise do material apreendido na sede do Partido Liberal, mais especificamente na mesa do assessor do general Braga Netto, coronel Peregrino, em uma pasta denominada ‘memórias importantes’, foi encontrado um esboço de ações planejadas para a denominada “Operação 142””, descreve a PF. “Tal fato evidencia a preocupação dos investigados com a possibilidade da existência de uma minuta física relacionada ao art. 142 da CF encontrada pela Polícia Federal. O documento é manuscrito.” “O documento, dentro do tópico ‘Linhas de esforço’, propõe ações que incluem ‘interrupção do processo de transição’, ‘mobilização de juristas e formadores de opinião’ e ‘enquadramento jurídico do decreto 142 (AGU e MJ)’”, acrescenta a corporação.