Título: A Câmara com o pé no freio
Autor: Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2005, País, p. A3

O ano de 2005 pode ser conhecido como o ano em que a Câmara parou. Ao contrário das Comissões Parlamentares de Inquérito e do Conselho de Ética que concentraram todo o trabalho, os parlamentares, eleitos para legislar, aprovaram apenas 70 projetos ao longo de todo o ano. De 15 de fevereiro a 9 de dezembro, durante as gestões do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) e o ex-deputado do PP, Severino Cavalcanti, a Casa viveu seu ano mais improdutivo de toda a legislatura, iniciada em 2003. Agora, durante os 30 dias de sessões extraordinárias, segundo o Ato Convocatório, a Casa tem pelo menos 65 projetos e propostas para serem votadas em um mês tudo o que não foi votado em um ano.

Deputados avaliaram que ao invés de tratarem leis, a crise transformou a Casa numa delegacia de polícia. Segundo dados da Secretaria Geral da Mesa, em comparação com 2005 os outros dois anos anteriores da legislatura apresentaram número de matérias aprovadas mais expressivos que o deste. No período de 19 de janeiro a 15 de dezembro de 2004 foram 153 projetos aprovados. Já de 17 de fevereiro a 15 de dezembro de 2003 foram aprovadas um total de 205 matérias em plenário.

Segundo deputados, a listagem dos 65 projetos em pauta para serem analisados durante o recesso apenas tentam justificar a rentável convocação extraordinária. Entre os projetos que serão analisados está o Decreto Legislativo do deputado Raul Jungmann (PPS-PE) que pretende vedar a gorda ajuda de custo para os deputados durante o período - projeto até então apoiado pela maioria dos líderes que pretendem diminuir a imagem negativa da Câmara.

O deputado de oposição Chico Alencar (P-Sol-RJ) deu a tônica da crise instalada no Congresso pelas denúncias de mesadas pagas a deputados, o chamado ''mensalão'', que afetou o trabalho em plenário.

- A produtividade do parlamento foi uma das mais baixas na história da República. Além das denúncias de corrupção que pararam o Congresso, podemos perceber uma crise de representação do poder legislativo subordinado ao Executivo - apontou o deputado ao afirmar que ''não houve um mês em que a pauta de votações não estivesse obstruída'', ao se referir a edição de Medidas Provisórias do Executivo.

Segundo Alencar houve uma distorção do exercício parlamentar ao longo do ano envolvendo deputados nas duas CPIs instaladas - Correios e dos Bingos - além do Conselho de Ética.

- Fui eleito deputado, mas me vi atuar mais como um delegado de polícia do que como parlamentar. Infelizmente foi uma necessidade em resposta ao surgimento de tantas denúncias. O Conselho funciona como um hospital: quanto mais necessidade de atendimentos, mais observamos que existem problemas a serem tratados.

O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar, (PTB-SP) justificou a paralisia da Câmara por ter sido ''um ano atípico'' e comparou a atual crise política com outros escândalos envolvendo ao mesmo tempo o Executivo e o Legislativo.

- No passado, quando explodiu o escândalo dos Anões do Orçamento, apenas o Legislativo ficou engessado, quando houve o caso Collor, o Executivo parou. Agora, as duas instituições foram atingidas.

Izar fez questão de ressaltar que a ''produtividade'' da Câmara foi transferida para o Conselho. No entanto, quatro processos foram encerrados desde o início da crise e a Comissão só volta ao trabalho dia 9. A votação dos processos de 6 a 8 deputados envolvidos no ''valerioduto'' também não está prevista para o período de recesso.

- O que atrasou o andamento dos processos foram os recursos do deputado José Dirceu em mais de 40 dias. E também as liminares dos deputados do PT. Todas as testemunhas convocadas para o início de janeiro também desmarcaram - justificou Izar, que também criticou a gestão de Severino Cavalcanti. Segundo ele, ''um despreparado para administrar a presidência e que provocou atrasos nas votações''.

O exemplo da folga remunerada é repetido pela CPI dos Bingos que volta a se reunir apenas dia 17 enforcando um mês de convocação extraordinária sem que os parlamentares deixem de receber. Já a CPI dos Correios foi a única a apresentar relatório parcial das investigações.

O Congresso está convocado até 14 de fevereiro, mas as sessões plenárias estão dispensadas até 15 de janeiro. Até lá, trabalha apenas a Comissão Representativa, formada por 17 deputados e sete senadores, que votam projetos a toque de caixa. Para a maioria dos parlamentares são dois meses de trabalho e um de folga. O custo nos cofres públicos é de R$ 50 milhões gastos pela Câmara e R$ 45 milhões pelo Senado.

O líder do Governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) admitiu que o ano na Câmara foi de ''poucos projetos'' e preferiu atacar a oposição.

- A oposição se aproveitou das CPIs para travar projetos do governo na Câmara. Mas conseguimos vitórias importantes e mesmo que tenham sido aprovados poucos projetos, foram de qualidade - disse Chinaglia enfatizando matérias na área de educação e a aprovação da chamada MP do Bem.

O presidente da Câmara Aldo Rebelo afirmou, em coletiva na última quinta-feira, que o ano transcorreu em meio a crise.

- Há uma expectativa errônea segundo a qual o Poder Legislativo seria uma fábrica, uma linha de montagem de leis. Não é o numero de leis aprovadas, mas a qualidade das leis aprovadas que determina a qualidade do Poder Legislativo - afirmou.

Dentre os projetos aprovados este ano, no levantamento, estão incluídas Medidas Provisórias, Projetos de Lei, Decretos legislativos, Propostas de Emenda Constitucional (PEC), Projetos de Lei Complementares e Projetos de Resoução.