O Estado de S. Paulo, n. 47862, 01/11/2024. Política, p. A7
Assassinos de Marielle são condenados a
penas que somam 137 anos de prisão
Rayanderson Guerra
Karina Ferreira
Seis
anos e sete meses após o assassinato da vereadora Marielle
Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, a Justiça condenou ontem à prisão
os assassinos confessos dos dois. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e
Élcio Queiroz foram sentenciados pelo Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro a penas que somam 137 anos de reclusão 78 anos para Lessa e
59 anos para Élcio. Ambos estão presos em penitenciárias de São Paulo e
Brasília desde março de 2019. A sentença foi lida pela juíza Lúcia Glioche depois da decisão tomada pelos sete jurados. Eles
se reuniram na tarde de ontem, após acompanhar dois dias de julgamento, com
depoimentos de promotores, da defesa dos acusados e de testemunhas. "A
sentença se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos
vários Ronnies e vários Élcios
que existem na cidade do Rio de Janeiro livres por aí", afirmou a
magistrada. "A Justiça é lenta, é cega, é burra, é burra, é injusta, é
errada, é torta, mas chega." Além da pena de prisão, Ronnie Lessa e Élcio
Queiroz foram condenados a pagar uma pensão ao filho de Anderson Gomes, Arthur,
até os 24 anos, e também uma indenização de R$ 706 mil
por dano moral para familiares das vítimas. "Condeno os acusados a pagarem
as custas do processo e mantenho a prisão preventiva,
negando o direito de recorrer em liberdade", declarou a juíza, sob
aplausos da audiência presente ao julgamento, marcado por clima de emoção (mais
informações na pág. A8).
ATAQUE. Marielle foi
executada na noite de 14 de março de 2018, no centro do Rio. Ela voltava de
carro para casa, no bairro da Tijuca, zona norte, depois de participar de uma
reunião com mulheres na Lapa. A vereadora tinha 38 anos e estava acompanhada de
seu motorista, Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora parlamentar Fernanda
Chaves.
Na
altura da Praça da Bandeira, um Chevrolet Cobalt
prata emparelhou à direita do veículo no qual estava Marielle.
Um dos ocupantes disparou nove vezes. A vereadora foi atingida por três tiros
na cabeça e um no pescoço, enquanto Anderson Gomes foi alvejado três vezes nas
costas. Ambos morreram no local. A assessora foi ferida por estilhaços. Os dois
ex-PMs foram condenados por duplo homicídio
triplamente qualificado, um homicídio tentado e pela tação
do Cobalt usado no dia do crime. Apesar da
condenação, o artigo 75 do Código Penal estabelece que o tempo de cumprimento
de penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 anos. Como o crime
ocorreu em 2018 um ano antes da atualização da lei, que antes previa dez anos a
menos de pena máxima Lessa e Queiroz deverão cumprir 30 anos. O assassinato de Marielle e Anderson foi mencionado ontem durante a reunião
no Palácio do Planalto que tratou de segurança pública e reuniu, além do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros e governadores (mais informa recepções
na pág. A10).
'FARSA'. Os promotores do Ministério Público do Rio de
Janeiro que atuaram nas investigações pediram a condenação máxima para os réus
e rebateram, ontem, as declarações dos ex-PMs ambos
disseram no primeiro de dia de julgamento, anteontem, que estavam arrependidos.
"Aquilo que vocês viram, no interrogatório dos dois, foi uma farsa. Eles
não estão com sentimento de arrependimento. Eles estão com tristeza por terem
sido pegos", afirmou o promotor de Justiça Fábio Vieira. Para o Ministério
Público, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz confessaram os crimes porque sabiam que
seriam beneficiados. "Por que confessaram? Porque
estão arrependidos? Não. Porque isso vai beneficiá-los de alguma forma. Isso é
uma característica do sociopata. Ele não tem emoção. Ele não tem valores. Ele
não tem empatia", disse Vieira. Além de se dizer arrependido e pedir
desculpas, Ronnie Lessa voltou a dizer que o primeiro alvo pretendido para a
emboscada era Marcelo Freixo, ex-deputado e atual presidente da Embratur.
Freixo, no entanto, foi descartado por ser considerado "inviável",
conforme os executores. O ex-PM também relatou que, a
fim de despistar o intuito político do crime, houve orientação expressa para
que o ataque ocorresse longe da Câmara Municipal. Presos, os dois acusados
participaram do julgamento. por videoconferência.
MANDANTES. Concluída em março deste ano,
a investigação da Polícia Federal sobre o crime apontou como mandantes do
assassinato o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ) e seu irmão, o conselheiro
do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão. Os irmãos e
o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa são réus por homicídio
qualificado, tentativa de homicídio e organização criminosa. Por causa do foro
privilegiado de Chiquinho, os três serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), que prevê uma análise do caso até o fim do ano. De acordo com a
denúncia, a atuação de Marielle na Câmara Municipal
contrariou interesses do crime organizado na grilagem de terras na zona oeste
do Rio, o que motivou o crime.