Título: Diamante brasileiro
Autor: João César de Freitas Pinheiro
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2005, Outras Opiniões, p. A11

A produção anual oficial brasileira de diamantes é de aproximadamente 300 mil quilates no valor de US$ 26 milhões. Quase nada em relação aos 158 milhões de quilates produzidos no mundo, no valor de cerca de US$ 10 bilhões. Os países que se destacam como produtores são Rússia (38 milhões de quilates; US$ 2,2 bilhões), Botswana (31 milhões de quilates; US$ 2,5 bilhões), República Democrática do Congo (30 milhões de quilates; US$ 536 milhões), Austrália (21 milhões de quilates; US$ 204 milhões), África do Sul (14 milhões de quilates; US$ 1,6 bilhão) e Canadá (12 milhões de quilates; US$ 1 bilhão).

O comércio ilegal de diamantes brutos sustentou conflitos armados em países africanos. Juntaram-se governos, empresariado e ONGs de países produtores e comerciantes para coibir o comércio ilegal, tentando eliminar o chamado ''diamante de conflito'' ou ''de sangue'', em uma parceria que começou em maio de 2000. Em dezembro daquele ano, a Assembléia Geral da ONU aprovou resolução, endossando a criação e o desenvolvimento de sistema de certificação da origem do diamante bruto, cuja implantação iniciou-se no Encontro Ministerial de Interlaken, na Suíça, em novembro de 2002. Assim foi gerado o Sistema de Certificação do Processo Kimberley, adotado por 66 países, inclusive o Brasil.

Que interesse tem o Brasil, um pequeno produtor-exportador (0,2% da produção mundial), de participar de um sistema internacional? Em primeiro lugar, trata-se do esforço de colaborar com a África. Depois vem a necessidade de utilizar o sistema para organizar produção e comércio, principalmente nas regiões de Coromandel e Diamantina (Minas Gerais) e Juína (Mato Grosso). Além disso, um sistema internacional, que exige certificação de origem da pedra preciosa bruta, ao controlar a entrada nas alfândegas, pode ser utilizado como ferramenta de combate ao contrabando. A inserção na comunidade internacional trará benefícios no momento em que o Brasil discute a questão da mineração em terras indígenas.

Quando, em 2003, o governo federal obteve do Congresso a adoção de uma legislação competente para atuar no Processo Kimberley, o Departamento Nacional da Produção Mineral, a princípio, sentiu-se temeroso em arcar com tamanha responsabilidade de certificar o diamante para exportação. Mas esta autarquia desenvolveu métodos para cumprir os requisitos exigidos pela comunidade internacional. A atuação brasileira já foi testada em duas plenárias de avaliação da certificação do Processo Kimberley: uma em Ottawa, Canadá; outra em Moscou, Rússia. Resultado: o Brasil é coordenador do monitoramento da produção e do comércio de diamante extraído nos depósitos aluvionares da América do Sul, tendo como seus principais parceiros a Venezuela e Guiana.

Mas poderia o Brasil tentar voltar aos velhos tempos e passar a ser considerado um produtor e comerciante de peso no cenário internacional? O território brasileiro tem condições geológicas para tal. Existe uma estrutura geológica denominada ''chaminé kimberlítica'' que pode concentrar diamante em grande quantidade num pequeno território. As chaminés kimberlíticas vêm sendo estudadas ao longo de mais de 30 anos de pesquisas geológicas e atualmente a empresa pública Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais já é capaz de indicar sítios e formações geológicas para que o empresariado de mineração possa investir em prospecção de diamante primário. Lavrar diamante primário em uma chaminé kimberlítica é bem diferente de lavrar diamante secundário num depósito aluvionar, dentro de um rio. Os impactos ambientais negativos nos meios físico e biótico são bem menores no caso da lavra na chaminé kimberlítica.

Recentemente, na Audiência Pública realizada na Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que discutiu mineração na região da Serra da Canastra, tivemos a oportunidade de expor sobre a capacidade tecnológica que o Brasil já possui de organizar atividades de mineração compatibilizadas com a defesa da vida e do meio ambiente. O Brasil já é capaz de aproveitar as chaminés kimberlíticas e outras estruturas geológicas para viabilizar financeiramente a preservação da natureza. O que o Brasil ainda não tem é competência e maturidade suficientes para discutir mineração e meio ambiente fora da polarização colocada por extremistas que não respeitam as ciências geológicas como fundamento para racionalizar seus apaixonados posicionamentos.