Título: Pondo os pingos nos ¿is¿
Autor: Hélio Bicudo
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2005, Outras Opiniões, p. A11
Como os jornais noticiaram, denúncia feita pelo Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e pela CTV (Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), relativamente à situação da Febem em São Paulo, onde são constantes e operam-se violações dos direitos humanos de crianças e jovens, desaguou numa solicitação de medidas provisórias pedidas à Corte Interamericana por aquele órgão de defesa e promoção dos direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A Corte, atendendo à gravidade da situação e à urgência que deve ser adotada na tomada de providências capazes de inverter aquele quadro, enviou ao Estado brasileiro (a interlocução é entre a Corte e o Estado brasileiro e não entre a Corte e o Estado de São Paulo, como erroneamente asseverou respeitável órgão da imprensa paulista) medidas provisórias objetivando evitar, na Febem, a ocorrência de novas violações aos internados.
Tentou-se organizar uma primeira reunião entre peticionários, CIDH e Estado brasileiro, para que se desse início ao processo de inversão objetivado pelas medidas determinadas pela Corte Interamericana.
O evento teria lugar na sede da Secretaria de Justiça e de Defesa da Cidadania. A escolha do local teria permitido que o Secretário de Justiça do Estado assumisse posição que não lhe cabia, de coordenador da reunião. E, nessa qualidade, impediu a presença de co-peticionários apresentados pelos peticionários, talvez, em obediência à orientação dada pelo governador do Estado que dias antes criticara a atuação delas afirmando que seus membros estavam atrapalhando o trabalho da Febem.
Ora, é bem de ver que o aludido servidor do Estado de São Paulo não tinha competência para adotar semelhante atitude, pois as medidas que devem ser cumpridas, devem sê-lo pelo Estado brasileiro.
A representação do Estado brasileiro nessas hipóteses não se faz, como erroneamente está ocorrendo, seja pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, seja pelo Departamento de Direitos Humanos do Itamarati, mas sim por investidura legal dada à Advocacia Geral da União, como se lê na Constituição da República e na lei que deu organicidade e definiu as competências daquele ente público.
Enfim, a reunião não ocorreu, o que revela o despreparo do Estado brasileiro em lidar com situações como aquela de início delineada. E, sobretudo, a intervenção incompreensível do governo do Estado, através de seu Secretário de Justiça, ignorando que se trata de um procedimento em que aqueles que denunciaram as violações de direitos humanos na Febem não estão ao lado do Estado, mas em contraposição ao Estado, e não podem ser contidos na fiscalização daquilo que ocorre na Febem para verificar até que ponto serão cumpridas as determinações da Corte.
Tudo indica que, por essa atitude, o governo de São Paulo procura, dificultando as ações dos peticionários, o incumprimento pelo Estado brasileiro de uma decisão que é de cunho obrigatório desde que o Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Seria, portanto, de bom alvitre, que o Governo Federal, reavaliando a questão, se faça representar no caso pelo órgão competente - a Advocacia Geral da União - com o assessoramento dos peticionários e co-peticionários, colocando-se o governo de São Paulo na posição de violador de direitos humanos e parte obrigada a rever sua atitude a propósito das graves violações praticadas na Febem e que são de sua responsabilidade.
Presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos