Título: Além do Fato: Contagem regressiva para retirada do Iraque
Autor: Joseph Nye
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2005, Internacional, p. A12

Ex-subsecretário de Estado dos EUA no governo Clinton, professor emérito em Harvard

Por quanto tempo os Estados Unidos vão manter um grande contingente de soldados no Iraque? Essa é a principal pergunta do segundo mandato de George Bush. Até há pouco tempo, o governo Bush respondia com um clichê evasivo: ¿serão mantidas o tempo que for necessário, nem um dia a mais.¿ Não é o mais o caso. O gelo começou a rachar em 17 de novembro, quando John Murtha, um ferino congressista democrático e fuzileiro veterano de guerra, sugeriu a retirada das tropas do Iraque em seis meses. Logo depois, o senado de maioria republicana votou por uma ¿transição significativa para uma soberania plena do Iraque em 2006.¿

Depois de uma resistência inicial, Bush começou a mudar sua retórica sugerindo que uma redução das tropas iria ocorrer antes do previsto inicialmente.

O desgaste no apoio da população à política de Bush no Iraque é enorme. Cinqüenta e quatro por cento dos americanos agora dizem que os EUA erraram ao mandar as tropas, comparados a 24% que tinham a mesma opinião no início da guerra, em março de 2003. Em parte, isso reflete a crescente taxa de mortalidade, com mais de 2.100 soldados americanos mortos até agora.

Mas também reflete a fé crescente de que a guerra está sendo perdida. Como destacou recentemente Peter Feaver, especialista em opinião pública da Universidade Duke que agora trabalha como conselheiro da Casa Branca, americanos toleram as baixas quando acreditam que a guerra é justa e tem uma perspectiva razoável de sucesso. Mas os cidadãos agora duvidam das duas coisas. O governo está pagando o preço por supervalorizar os motivos que o levaram à guerra e por lidar atrapalhadamente com a ocupação pós-invasão. Não é de se surpreender que a nova retórica de Bush agora enfatize que ele tem uma ¿estratégia para a vitória¿.

Se a ¿vitória¿ permanece definida como uma democracia estável no Iraque, é improvável que Bush vá ter tempo suficiente para implementar sua estratégia. Em setembro, o general George Casey, a autoridade americana no comando das tropas no iraque, testemunhou ao Congresso que insurgências modernas duram cerca de uma década e que apenas o exército iraquiano só tinha um batalhão capaz de lutar sem ajuda das forças americanas.

Um mês depois, o influente International Institute for Strategic Studies, de Londres, que a retirada das tropas americanas ano que vem provavelmente seria reduzida e que levaria pelo menos cinco anos para o Iraque conseguir um exército com os 300 mil homens necessários para combater a insurgência sozinho.

Mas com as eleições parlamentares em 2006 e o pleito presidencial em 2008, cinco anos é tempo demais. É mais realista afirmar que o governo republicano vai ter apenas algo entre 18 meses e dois anos para implementar sua estratégia.

Enquanto isso, os democratas estão divididos. Alguns, como John Murtha e Nancy Pelosi, a líder da bancada no Congresso, querem um cronograma de curto prazo, enquanto outros, como o senador Joseph Biden, resistem a um prazo estabelecido, mas prevêem uma retirada de 50 mil soldados em 2006 e de muitos dos 100 mil restantes em 2007.

Aqueles de nós que acreditam que invadir o Iraque foi um erro e que Bush é culpado de não reconhecer ter falhado em se preparar para depois da invasão enfrentamos um dilema: se os EUA saíram do país precipitadamente, isso pode potencializar esses erros.

O Iraque não é como o Vietnã, onde a retirada americana foi seguida da estabilidade imposta por um governo autoritário. No Iraque, o perigo é que a retirada poderia ser seguida pela guerra civil e caos ¿ condições ideais para os terroristas.