Correio Braziliense, n. 22537, 30/11/2024. Cidades, p. 13
Redução do FCDF vai impactar até os serviços para a área federal
Arhur de Souza
Davi Cruz
A proposta de mudanças no reajuste do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), discutida pelo Ministério da Fazenda dentro do pacote de cortes de gastos, deve reduzir recursos de áreas, como educação, saúde e segurança pelos próximos anos, caso seja aprovada pelo Congresso Nacional. Estimativas da Secretaria de Economia do DF apontam para perdas de R$ 800 milhões, atingindo R$ 12 bilhões em 15 anos. “A partir do momento em que não houver recurso para essas áreas, vamos ter que tirá-lo de outras fontes, e isso vai atingir a todos os servidores do Distrito Federal, implicando todos os serviços que o governo presta”, alertou o governador Ibaneis Rocha (MDB). Como toda estrutura do GDF dá suporte ao Executivo, o Legislativo e o Judiciário federais, esse atendimento também seria impactado. “Saiu (a mudança no cálculo do FCDF) da cabeça de algum mal-iluminado, que não gosta da capital da República, uma proposta tão ruim como essa”, voltou a criticar Ibaneis. Distrital do PT, Chico Vigilante rebateu o medebista: “Não há nenhuma perseguição. Essa unificação (dos cálculos) é justa e está em linha com as práticas nacionais”.
O anúncio de que o cálculo de reajuste do Fundo Constitucional (FCDF) poderá sofrer drásticos cortes repercute no meio político do Distrito Federal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na quarta-feira um pacote de medidas com redução de gastos do governo federal que incluiu recursos destinados ao custeio de áreas sensíveis do DF, como saúde, segurança e educação. O governador Ibaneis Rocha (MDB) voltou a criticar a proposta, afirmando que da "cabeça de algum mal-iluminado, que não gosta da capital da República, saiu uma proposta tão ruim como essa".
O governador chamou a atenção para os impactos que a mudança pode trazer, não apenas para a cidade, mas para o país como um todo. "Brasília não cuida só dos seus 3 milhões de habitantes, mas do Brasil. Recebemos aqui ambulâncias de todo o país trazendo pessoas para se tratar, abrigamos os órgãos nacionais e internacionais e ainda somos responsáveis por garantir serviços públicos de qualidade para todos que passam por aqui", ressaltou. "Infelizmente, existe esse preconceito de algumas pessoas do governo federal, que não compreendem que o Distrito Federal é a capital da República e precisa ser preservada", lamentou.
Ibaneis aproveitou a oportunidade para convocar a sociedade para se unir em defesa do FCDF. "Conclamo a todos os políticos, toda a classe empresarial e sindical, além de toda a população do Distrito Federal. Vamos vencer mais uma vez", garantiu. De acordo com o governador, a questão do Fundo Constitucional não atinge somente as áreas abrangidas pelo repasse: saúde, educação e segurança. "A partir do momento em que não houver recurso para essas áreas, vamos ter que tirá-lo de outras fontes, e isso vai atingir a todos os servidores do Distrito Federal, implicando todos os serviços que o governo presta", alertou.
Ele disse que, a partir da próxima segunda-feira, vai fazer um trabalho de união, na esperança de conseguir convencer o Congresso Nacional. "Falarei com deputados distritais e federais, senadores e todas as lideranças do Congresso, com o apoio dos sindicatos, da população e do setor produtivo da nossa cidade. O momento, agora, é de união para que a gente possa manter a nossa cidade no rumo certo", pontuou o governador.
O secretário de Economia do DF, Ney Ferraz, afirmou que o FCDF tem se mostrado essencial para a manutenção dos serviços públicos no Distrito Federal, representando mais de 40% do orçamento total do governo. Ele destacou que, segundo estudos técnicos, o impacto da medida, no próximo ano, seria de R$ 800 milhões e que, em 15 anos, o GDF poderia perder R$ 12 bilhões.
Reação
O deputado distrital Chico Vigilante (PT) respondeu às declarações de Ibaneis. Segundo Vigilante, o governador faltou com a verdade ao afirmar que o reajuste é uma tentativa de o governo federal prejudicar a capital. "O que está se propondo é que o Distrito Federal siga a mesma norma que rege o reajuste do Fundo de Participação dos Municípios e do Fundo do Centro-Oeste. Não há nenhuma perseguição. Essa unificação é justa e está em linha com as práticas nacionais", avaliou.
Vigilante relembrou que a primeira proposta de reajuste do cálculo Fundo Constitucional, em 2023, não partiu do governo federal, mas do Partido Progressista (PP), legenda da vice-governadora do DF, Celina Leão. "Foi um deputado do PP, da Bahia, quem apresentou essa proposta, não o presidente Lula, o ministro Haddad ou qualquer representante do governo. Ibaneis, ou está desinformado, ou agiu de má-fé ao tentar distorcer os fatos", ressaltou.
Em uma nota, a liderança do PT na Câmara Legislativa, que tem à frente Chico Vigilante, disse que o governador está sendo "ingrato" com o presidente Lula e o governo federal. "(Ibaneis) parece insensível à necessidade dos ajustes nas contas públicas, imprescindíveis para o equilíbrio fiscal", afirmou.
De acordo com o texto, os valores do Fundo Constitucional, nos governos do PT, sempre foram muito melhores do que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "No governo anterior, o FCDF perdeu para a inflação, pois, em 2018, ele teve R$ 13,6 bilhões e, em 2022, R$ 16,2 bilhões. Um aumento de apenas 18% em quatro anos. Nesse período, o INPC, índice da inflação, foi de 28%", calculou. "No primeiro ano do governo Lula, o repasse saltou de R$ 16,2 bilhões para R$ 23 bilhões, um aumento de 41%, em apenas um ano", comparou.
Ao contrário do posicionamento do deputado distrital Chico Vigilante, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa (CLDF) expressou, em nota, preocupação com a possibilidade de alterações no cálculo de reajuste do Fundo. O texto destacou a importância do diálogo como meio de solução para o impasse e ressaltou as particularidades do Distrito Federal em comparação aos demais estados. "Entendemos a realidade financeira do país e a necessidade de controle dos gastos públicos, mas discordamos da possível mudança apontada", afirmou.
O comunicado ressaltou que a Câmara Legislativa planeja mobilizar esforços para evitar mudanças que possam comprometer o orçamento e o funcionamento das políticas públicas no DF. "Buscaremos a equipe econômica do governo federal para apresentar a realidade orçamentária do Distrito Federal, com o objetivo de manter a forma atual de reajuste do Fundo Constitucional", conclui a nota.
Carências
Economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), César Bergo ressaltou que o Fundo Constitucional é muito importante para o DF. "Ele traz equilíbrio em relação aos entes federativos, porque a capital do país tem características diferenciadas e o Fundo foi criado justamente com a finalidade de suprir essas carências da nossa cidade", afirmou. "Temos alguns delimitadores geográficos, por exemplo. Brasília não consegue ter uma indústria crescente e atividades econômicas que garantam autossuficiência financeira para si", acrescentou.
O especialista pontuou que reduzir esses recursos pode gerar desequilíbrio orçamentário. "Como sabemos, o FCDF é crucial para o equilíbrio econômico, social e político da capital do país. Entre os possíveis reflexos negativos, está uma dependência maior do DF junto à União", observou. "O que se espera é que qualquer mudança seja feita com planejamento e transparência, sobretudo com avaliações responsáveis dos impactos e parece que isso não está sendo feito", argumentou Bergo.
De acordo com o economista, se a proposta entrar em vigor, podemos esperar um risco de prejudicar não só a gestão orçamentária e a qualidade de vida da população do DF, mas de desestabilizar a gestão de serviços essenciais, como a segurança pública, a saúde e a educação. "Mas não acredito que o Congresso vai dar vazão a essa proposta. Penso que haverá o bom senso dos nossos parlamentares, em relação à análise de todos os fatores", previu.
Segurança
Por meio de uma nota, o Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF) manifestou-se com "profundo descontentamento" pela alteração do cálculo de reajuste do FCDF. "Essa medida representa uma ameaça direta às áreas essenciais custeadas pelo Fundo, como segurança pública, saúde e educação", lembrou. "Além disso, coloca em risco direitos conquistados pelos servidores públicos, comprometendo a qualidade do atendimento à população", acrescentou o texto.
O Sinpol-DF classificou como "devastadores" os possíveis impactos na segurança pública. "Comprometer o FCDF é abrir espaço para o enfraquecimento da PCDF e para a instalação definitiva do crime organizado na capital federal", alertou. "Sucatear a corporação e, consequentemente, desvalorizar seus investigadores, é expor Brasília a uma realidade de insegurança que seus cidadãos não conhecem e não devem conhecer", pontuou a nota.
Memória
Longa batalha
Em maio de 2023, políticos do DF se uniram contra a proposta de inclusão do Fundo Constitucional no Arcabouço Fiscal. Na época, o governador Ibaneis Rocha reuniu ex-governadores e outras autoridades para discutir formas de conseguir retirar o FCDF do projeto. A batalha, que durou longos meses, passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. A vice-governadora Celina Leão (PP) liderou as articulações, pelo fato de ser do mesmo partido do relator do projeto, Cláudio Cajado (PP-BA).
Em agosto do mesmo ano, o texto do novo regime fiscal foi aprovado, sem o Fundo, em uma sessão deliberativa da Câmara, com 379 dos 443 votos dos parlamentares presentes. O Fundo Constitucional é uma verba repassada anualmente pela União à capital do país para investimentos, custeio e manutenção nas áreas da saúde, educação e segurança pública. De acordo com a legislação atual, o valor repassado é corrigido com base na variação da receita corrente líquida da União, de junho a julho do ano anterior.