O Globo, n .32289, 01/01/2022. Brasil, p. 4
NO VÁCUO DA PAUTA
Daniel Gullino
A expectativa é de que a Câmara seja uma trincheira de embates polêmicos em 2022, ano legislativo encurtado pelas eleições de outubro, o que praticamente impossibilita a aprovação de propostas econômicas complexas, como reformas administrativa e tributária. No vácuo aberto pela ausência desses temas, projetos de cunho ideológico, moral e aduaneiro tendem a ganhar espaço na pauta, como a legalização dos jogos, a educação domiciliar e a liberação do cultivo da maconha para uso medicinal. Particularmente, o próprio prefeito, Arthur Lira (PP-AL), não vê possibilidade de que as reformas prosperem no ano que vem. Até o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), já admitiu que essas matérias só devem votar na lista de prioridades legislativas em 2023.
Nesse cenário, Lira pretende agilizar projetos já aprovados no Senado e que, portanto, agora dependem apenas do carimbo dos Deputados para se tornarem lei. O deputado também está determinado a manter agenda própria da Câmara. Uma das propostas que pode ser analisada na Câmara já em fevereiro, quando termina o recesso legislativo, é a legalização dos jogos. Em dezembro, foi aprovada a urgência do texto, que lhe confere prioridade na agenda. O projeto é encabeçado por Lira, que defende o impacto positivo na economia, principalmente na área de turismo, mas enfrenta forte oposição da bancada evangélica — o que fez o presidente Jair Bolsonaro prometer aos líderes religiosos que vetará o texto caso seja aprovado no Congresso.
- A legalização dos jogos não é apenas uma política aduaneira, é uma política que dialoga também com retomada de empregos, aumento de receita. Pode haver resistência, mas é possível que caminhe — avalia o líder do DEM, Efraim Filho (PB). Outro projeto com tramitação avançada é o que regulamenta a educação domiciliar (homeschooling), bandeira de deputados das bancadas conservadoras. A relatora, Luisa Canziani (PTB-PR), abriu uma série de discussões com o governo para ajustar pontos do texto, impondo diversos condições para que as crianças sejam educadas em casa. Essa proposta encontra mais respaldo do que outra do mesmo tema, da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que apenas descriminaliza a prática.
- Homeschooling ainda tem um consenso. A questão é mais do texto. O texto de Luisa (Canziani) é um texto que exige regras. O texto da BIA (Kicis) é uma liberação geral — diz Margarete Coelho (PP-PI).
Cenário desfavorável
O texto que libera o cultivo da maconha (cannabis sativa) para uso medicinal e industrial também pode ser analisado na rodada de trabalhos. Apesar da forte contrapressão dos parlamentares conservadores, o projeto foi aprovado em uma comissão especial em junho. Agora aguarda apreciação pelo plenário da Câmara. - Sou a favor da proposta, mas é muito polêmica. Já está bem maduro, houve debates profundos - avalia o líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (AL). O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), que assumirá a presidência da frente parlamentar evangélica no ano que vem, diz que o grupo formulará uma lista de cinco projetos prioritários, que serão apresentados à Lira. Entre eles deve estar o que trata da prática da homofobia. A ideia é mudar a definição de crime. - Temos coisas que queremos definir. Daí Lira querer guiar são outras quinhentas. Um deles é o projeto de homofobia, que foi equiparado ao crime de racismo — diz Sóstenes. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros prevê um cenário desfavorável em 2022 para o calvário da agenda de Bolsonaro, como de costume, tendem a fazer de tudo para derrubar projetos de interesse de Bolsonaro, seu maior adversário na prática.