Título: Quer ser presidente?
Autor: Rubens Penha Cysne
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2005, Outras Opiniões, p. A14

Políticos locais no Brasil nunca dispuseram de uma chance tão boa de mostrar serviços para a candidatura à presidência da República quanto agora. O motivo é simples. Até recentemente, o maior problema do país era a inflação, o que exigia solução a nível federal. Hoje em dia, entretanto, o maior problema é a violência, cuja solução pode ser obtida a partir de ações locais. Isto confere a prefeitos e governadores uma chance que não tinham no passado: mostrar uma folha de serviços para a presidência através do que fizeram para minorar este problema quando em seus respectivos cargos.

Ao candidato, caberá mostrar que reduziu substancialmente a criminalidade; que por isto investimentos antes fugidios passaram a ser novamente atraídos para as áreas sob sua jurisdição; que os habitantes puderam novamente apreciar a paisagem sem ter que manter um olho na atitude do próximo; que recursos da segurança puderam migrar sem medo para a saúde e para a aparelhagem de escolas; que os turistas voltaram a aflorar, trazendo consigo divisas e empregos; que tais empregos geraram impostos que por sua vez geraram calçadas mais bonitas e mais limpas, atraindo mais turistas que geraram mais recursos, e assim por diante; que o desprezo que o medo constante gera pelos investimentos pessoais de longo prazo, aí incluídos educação e civilidade, deu lugar à tranqüilidade sob a qual passou a se assentar o melhor desenvolvimento e planejamento de cada família; que os problemas de má distribuição de renda e pobreza foram combatidos sem que com isto a máquina pública tenha inchado e ficado fora de seu controle.

Curioso notar como certas autoridades, em particular no âmbito municipal, que sempre quiseram, e talvez merecessem, alçar vôos mais altos, têm desperdiçado esta oportunidade provida pela evolução recente dos fatos: a oportunidade de se mostrarem bons candidatos a presidente através do rigor e do vigor de suas ações locais. Ao invés de adotarem o princípio básico da ''tolerância zero no transgredir da Lei'', principal condição atual para que a sociedade brasileira possa e queira investir qualquer pessoa na condição de autoridade maior do país, remaram contra a maré, usando o estoque de fatos passados para justificar o mau encaminhamento (porque ilegal) dos problemas presentes.

O candidato a presidente deverá deixar claro que regerá sua conduta pelo princípio da ''tolerância zero''. Contravenções da Lei ocorridas no passado, a despeito da abrangência, da tradição, da justificativa e do maior ou menor grau de delito, não poderão ser utilizadas para justificar ou para tentar reduzir a importância de novas contravenções. A ''tolerância zero'' faz parte da liturgia de qualquer cargo público, o de presidente em particular.

Se prefeito, o candidato a presidente deverá mostrar que consegue articular-se localmente com o poder estadual, independentemente de seus gostos pessoais e de facções políticas, para conseguir o que mais querem aqueles que o elegeram: o simples direito de ir e vir em segurança. Se governador, o candidato deverá mostrar que uniu os prefeitos de seu estado em torno deste mesmo objetivo.

Os custos de bem estar da violência e da corrupção já superam em muitos os custos históricos (entre 3% e 8% do PIB) da inflação brasileira do período 1947-1993. Apenas a redução da expectativa de vida nas grandes cidades (hoje em dia algo em torno de um a dois anos, quase o mesmo número da Colômbia) já causa uma perda estimada da ordem de 4% do PIB.

Prefeitos e governadores, urge que integrem suas políticas além da rivalidade pessoal e partidária. No cuidado diário das árvores, é preciso não perder de vista a visão da floresta. A união de seus esforços em torno do mesmo objetivo é condição necessária para a solução do problema de violência. A sociedade saberá reconhecer os serviços prestados.

Rubens Penha Cysne é professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas e Visiting Scholar do Departamento de Economia da Universidade de Chicago.