O Globo, n. 32290, 02/01/2022. Brasil, p. 5

PEC beneficia siglas que burlaram cota para mulheres
Rayanderson Guerra



Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos que descumpriram as regras de destinação do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas pode liberar 22 partidos da investigação de possíveis irregularidades nas eleições de 2020. O cruzamento de dados do GLOBO com informações da Justiça Eleitoral mostra que as legendas deixaram de repassar recursos na mesma proporção do número de candidatas, determinação exigida pela legislação. Conhecida como PEC 18, a proposta foi aprovada em dezembro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Em julho, foi aprovado em dois turnos no Senado. Recentemente, a Câmara instalou a comissão especial, que será a última etapa antes que o texto seja levado ao plenário. A Anistia conta com o apoio de praticamente todos os partidos da Câmara,

Requisitos de transferência

De acordo com os dados da Justiça Eleitoral, dos 33 partidos com candidaturas lançadas aos cargos de vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, 22 não atendiam a exigência de transferência proporcional às candidaturas de mulheres. Entre as legendas que podem ficar livres de Investigação estão DEM, MDB, PL, Podemos, PDT, PSD, Republicanos e PSDB. A proposta atual prevê que "não serão aplicadas sanções de qualquer espécie" às ​​siglas que não tenham repassado pelo menos 30% dos recursos eleitorais para candidaturas de mulheres.

"Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não tenham cumprido a cota mínima de gênero e/ou raça, ou que não tenham alocado os valores mínimos correspondentes a estas. fins, em eleições realizadas antes da promulgação desta emenda constitucional", afirma o texto. A distribuição desse percentual de recursos foi determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

De acordo com o advogado eleitoral Alberto Rollo, os recursos do Fundo Eleitoral são repassados ​​pelos partidos aos diretórios estaduais e municipais pela Cúpula Nacional de Siglas. Portanto, o Ministério Público Eleitoral (MPE) adotou o entendimento de que a direção nacional do partido é responsável pela distribuição nacional do fundo.

O GLOBO também identificou 178 candidaturas com indícios da utilização das chamadas candidaturas laranja, quando os recursos para os candidatos acabaram irrigando outras campanhas nas eleições de 2020 e 2018. Para esse cruzamento, que aponta 178 candidaturas com possibilidade de irregularidades, a Globo seguiu o mesmo critério utilizado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) para encontrar problemas em candidaturas femininas e possíveis candidaturas laranja. É o chamado indicador de custo por voto, que cruza os recursos públicos registrados na campanha com o número de votos obtidos. Nas eleições anteriores, nenhum candidato eleito no país teve um custo por voto superior a R$ 190. Nesses casos, os candidatos tiveram um custo por voto de pelo menos R$ 1 mil.

O GLOBO analisou dados de candidatos a vereadores estaduais, federais e de todo o país nas duas últimas eleições, período que a PEC deve abranger. Com os dados da Justiça Eleitoral, foi feito um cruzamento de quanto os candidatos receberam do fundo partidário e eleitoral e o número de votos que obtiveram.

Aplicação do fundo

Segundo a advogada eleitoral Maíra Recchia, especialista em representatividade feminina na política e ex-coordenadora geral do Observatório das Candidaturas Femininas da OAB/SP, a PEC em discussão afasta qualquer responsabilidade dos partidos políticos por irregularidades na aplicação do Fundo Eleitoral em eleições passadas, e consequentemente as suspeitas de candidaturas laranja que ainda não foram objecto de processo:
-o desrespeito às regras de transferência de fundos eleitorais para mulheres, a reserva de quotas e casos de candidaturas laranja é uma tônica entre todos partidos. Já tínhamos legislação em que o partido deveria destinar 5% do fundo partidário para a inclusão da mulher na política. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro anistiou os partidos que passaram a ter as contas julgadas irregulares. Essa PEC retira qualquer responsabilidade dos partidos políticos na implementação do fundo. Em maio de 2019, o presidente Bolsonaro sancionou o projeto de lei que anistiou multas aplicadas a partidos políticos, um indulto estimado em R$ 70 milhões. A lei estabeleceu que siglas que não aplicaram o mínimo de 5% do Fundo Partidário para promover a participação política das mulheres entre 2010 e 2018, mas que direcionaram o dinheiro para candidaturas femininas, não terão as contas rejeitadas ou serão alvo de punição.