Valor Econômico, 16/04/2020, Agronegócios, p. B10

Negócios no segmento de insumos desafiam o Cade
Marina Salles


A espiral de fusões e aquisições globais em que mergulharam as empresas de insumos, sobretudo de agrotóxicos, dos anos 2000 para cá, aumentou as demandas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) nessa frente de análises de negócios e o rigor para a aprovação das operações no Brasil, conforme estudo publicado pelo órgão em fevereiro.

O levantamento mostra que, nos últimos 22 anos (1997-2019), o Cade analisou e julgou 291 atos de concentração (ACs) de empresas de defensivos, sementes, fertilizantes e máquinas. O período de mais trabalho foi de 2005 a 2012, quando foram avaliados 50,5% do total de ACs, ou 147. Já o pico anual, de 21 casos, foi verificado em 2005, na sequência da liberação do cultivo de transgênicos no país, que deflagrou uma corrida pelo licenciamento de biotecnologias e integrou muito mais os negócios de agrotóxicos e sementes, com o surgimento de traits resistentes a herbicidas.

Para Gerson Carvalho Bênia, servidor do Cade e autor do estudo, a tendência de concentração especialmente do mercado de agrotóxicos é irrefreável. “Trata-se de um reflexo da alta demanda de capital para pesquisa e de escala nessas empresas, para tornar viável suas atividades, o que exige atenção”, afirmou. O movimento ficou patente após a nova onda de aquisições de múltis de 2018, quando a Bayer comprou a Monsanto, a Basf adquiriu ativos que a Bayer teve que vender e a Nidera foi incorporada pela Syngenta. Um ano antes, a Dow Chemical e a DuPont já haviam formado a Corteva e a ChemChina havia adquirido a Syngenta.

Bênia conta que os movimentos exigiram, por exemplo, um contato mais próximo entre agências de defesa da concorrência de diferentes países da Europa, além de EUA e China, na busca por soluções coerentes no entrecruzamento do mercado global, e foi estimulada a realização de visitas e seminários conjuntos. “No próprio âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) há um núcleo de estudos da concorrência”, disse.

No pente fino da análise de operações complexas pelo Cade, que contemplam automaticamente empresas com 20% ou mais de participação nos seus mercados de atuação, são considerados hoje, além da identificação da concorrência nacional e internacional, também mercados relevantes para o negócio, participação societária das envolvidas em outras companhias, produtos em comum no portfólio, relações de fornecimento, barreiras de entrada de novos players e produtos no mercado e até o tempo de estabelecimento desses novos concorrentes. “O mercado se sofisticou e também a nossa análise”, afirmou Bênia.

E, na corrida por se atualizar e acompanhar o desenvolvimento do portfólio dessas companhias, que já contam também com serviços digitais, Bênia afirmou que o Cade tem olhado para negócios envolvendo startups. “Não há nada definido ainda, mas estamos pensando como fazer com que essas compras de startups, que poderiam nem ser notificadas para nós, passem por uma avaliação”, disse. Hoje, somente operações em que o faturamento da empresa compradora é igual ou superior R$ 750 milhões e o da comprada é de no mínimo R$ 75 milhões são analisadas pelo Cade. Uma possibilidade seria colocar um corte pelo valor da transação.