Correio Braziliense, n. 22540, 03/12/2024. Política, p. 3
Falta de consenso atrasa mais a PEC
Rosana Hessel
Mayara Souto
Após arrastar por mais de um mês a divulgação do pacote de corte de gastos, na semana passada, agora, o governo prometeu que enviaria ao Congresso, na noite de ontem, a proposta de emenda à Constituição (PEC) com as medidas fiscais anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na última quarta-feira, em rede nacional. Até o fechamento desta edição, porém, o texto ainda não tinha sido protocolado.
O governo prevê a redução de R$ 70 bilhões de despesas com as medidas do pacote nos próximos dois anos. Contudo, analistas estimam um impacto menor nas contas públicas, entre R$ 40 bilhões e pouco mais de R$ 50 bilhões até 2026. Logo, o pacote é considerado modesto e longe do necessário para equilibrar as contas públicas e conter a trajetória de crescimento da dívida pública bruta, que, em outubro, bateu em R$ 9 trilhões, o equivalente a 78,6% do Produto In terno Bruto (PIB) — aumento de 0,4 ponto percentual em relação ao mês anterior —, conforme dados do Banco Central.
A demora para a conclusão do texto provocou mais desconfiança no mercado e fez o dólar bater recordes. Para os analistas, os ministros das alas políticas estão ganhando a queda de braço com a econômica contra os cortes de gastos e, portanto, não conseguem chegar a um acordo. Ontem, o dólar comercial bateu nova marca pelo quarto pregão seguido e encerrou o dia cotado a R$ 6,068 para a venda — alta de 1,11% em relação ao fechamento de sexta-feira, quando acumulou valorização de 25% no ano (leia reportagem na página 7). A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) operou no vermelho e encerrou o dia com queda de 0,34%, para 125.235 pontos.
De acordo com levantamento da consultoria Elos Ayta, em termos ajustados pela inflação, a máxima histórica continua sendo a de setembro de 2002, quando a divisa chegou a valer R$ 8,75. “Mesmo assim, a alta acumulada de 25,04% em 2024 coloca o dólar como um dos protagonistas do ano, registrando a maior valorização desde 2020”, afirmou o consultor Einar Rivero, CEO da Elos.
Vale lembrar que, no acumulado de 12 meses até setembro — último dado do Tesouro Nacional, que tem atrasado a entrega dos relatórios devido à greve categoria —, as contas do governo central (que inclui Tesouro, Banco Central e Previdência Social) registraram um rombo de R$ 245,8 bilhões, o equivalente a 2,12% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse montante é quase 10 vezes maior do que o deficit primário permitido na meta fiscal deste ano, de 0,25% do PIB, ou R$ 28,9 bilhões.
Reunião no Planalto
A equipe econômica e os ministros palacianos demoraram para conseguir fechar o texto da PEC com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e líderes do governo no Congresso. Haddad chegou ao Palácio do Planalto para a reunião às 16h30 e precisou esperar cerca de uma hora para o encontro com o chefe do Executivo. Ele saiu sem dar declarações.
Além de Haddad, participaram da reunião o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, o senador Jaques Wagner (PT-BA), o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), o senador Otto Alencar (PSD-BA) e o deputado José Guimarães.
O governo tinha sinalizado pressa para aprovar as medidas previstas na PEC do pacote fiscal antes do recesso parlamentar, que começa às portas do Natal. Não à toa, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), marcou para hoje, na Residência Oficial, uma reunião com o comitê de lideranças, na hora do almoço, para definirem o cronograma das votações.
Para ter tramitação rápida no Congresso, a PEC precisa ser enviada ao Legislativo com pedido de urgência. Assim, reduzirá etapas, passando pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se aprovada, poderá ser encaminhada diretamente para o plenário. Para alterar a Constituição, uma PEC precisa de, pelo menos, três quintos de votos favoráveis da Câmara e do Senado, ou seja, 308 e 49 votos, respectivamente, em dois turnos.
Medidas polêmicas
Dentro do pacote de corte de gastos estão medidas que têm provocado polêmicas, como a redução do abono salarial — uma espécie de 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824) —, que seria gradualmente reduzido para 1,5 salário mínimo. Atualmente, trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos são agraciados com esse benefício.
A proposta também prevê modificação no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que passará a destinar 20% dos investimentos às escolas em tempo integral — uma das promessas de campanha de Lula.
A PEC ainda muda a forma que é calculado o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), instituído em 2002. A verba é destinada a Brasília por ser a capital federal e corresponde a quase 40% do orçamento da cidade. Ao todo, seriam R$ 800 milhões a menos todos os anos. Essa medida também consta de um projeto de lei de autoria do líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães.
Na sexta-feira, o líder do PT na Câmara protocolou o Projeto de Lei Complementar (PLP) e o Projeto de Lei (PL), que incluem ajustes em benefícios sociais, salário mínimo e pensão de militares.
Proposta paralela na Câmara
Enquanto o governo atrasou o envio da PEC, deputados se adiantaram e protocolaram na Câmara uma proposta mais ampla do que a da Fazenda. O texto tem como objetivo promover uma “ampla revisão de regras que condicionam o crescimento das despesas públicas federais”, prevendo um impacto fiscal de R$ 69,4 bilhões, em 2026, e de R$ 1,125 bilhão no acumulado até 2031. Entre as propostas, estão a desindexação das despesas públicas em relação ao salário mínimo e a desvinculação de despesas da Saúde e da Educação ao comportamento das receitas. Além disso, prevê a revisão de gastos tributários, supersalários, abono salarial e aposentadoria dos militares — com a fixação da idade mínima de 55 anos para a aposentadoria integral de benefício benefícios, que também estão entre as promessas do pacote da Fazenda.