Título: Um fiasco muito caro
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Fonte: Jornal do Brasil, 23/12/2005, Opinião, p. A10

Um dos principais objetivos da convocação extraordinária do Congresso, a partir de 16 de dezembro, foi a necessidade de tempo para realização de reuniões do Conselho de Ética da Câmara. Ainda há uma fila de processos contra deputados acusados de quebra do decoro parlamentar por terem se abastecido de recursos despejados das contas de Marcos Valério Fernandes de Souza. São 11 supostos participantes do esquema de corrupção que manchou a imagem política do PT e, por tabela, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em princípio, até pela cobrança da sociedade, a desculpa para o custo de R$ 95 milhões, o preço da convocação extraordinária para os cofres públicos, a manutenção do trabalho na Câmara e no Senado se justificava. O alto custo para o fim do recesso inclui, além dos dois salários a mais pagos aos parlamentares, as despesas de manutenção e os rendimentos de servidores. Esperava-se que todos cumprissem a temporada da convocação com afinco e dignidade. Afinal, além do Conselho de Ética, ainda há a votar o Orçamento da União para 2006 e as investigações em andamento nas CPIs dos Correios e dos Bingos.

Os itens têm prazo para execução. No caso dos deputados sob processo, projeta-se o fim dos julgamentos para os últimos dias de março, dois meses antes das convenções partidárias que definirão candidatos à Câmara, ao Senado, às assembléias legislativas, aos governos estaduais e à Presidência em outubro.

Agenda traçada, objetivos definidos, aguardava-se o esforço dos senhores parlamentares. Qual não foi a surpresa do cidadão brasileiro ao ser informado que o Conselho de Ética resolveu dar-se uma pausa de fim de ano e só regressar em 9 de janeiro. A urgência de análise dos processos, oitiva de testemunhas de acusação e defesa, levantamento de provas, tudo deixou de ter importância diante da proximidade do Natal e do Ano Novo. Afinal, os salários extras estavam assegurados. Não se preocuparam com a indignação nem com as críticas da sociedade. Como sempre.

Por ironia, a agenda da convocação extraordinária, que vai até 14 de fevereiro, inclui a votação da Proposta de Emenda Constitucional reduzindo o tempo do recesso parlamentar. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, alegou se tratar de um compromisso ''por entender que essa é uma expectativa da sociedade e uma necessidade para acabar com tantas convocações extraordinárias''.

O tema volta com freqüência à tona quando a população se revolta diante do custo do período trabalhado. E se rebela porque sabe que todos recebem mais, porém poucos efetivamente se empenham para cumprir as longas pautas de projetos à espera de decisão. Desde o primeiro dia da convocação os corredores vazios do Congresso prenunciavam o fiasco e reforçavam a desconfiança popular. Poucos parlamentares compareceram para decidir também sobre o projeto que põe fim à chamada verticalização, regra eleitoral que obriga os partidos coligados na eleição presidencial a repetir a aliança nos estados. Nem questão tão polêmica quanto esta, que mexe com ambições de todas as legendas, motivou o comparecimento.

A relação custo/benefício é cruel. Cada deputado ou senador receberá, de dezembro a fevereiro, R$ 102 mil: soma dos proventos dos três meses acrescida do 13º, além de um salário pelo fim da sessão legislativa e outro pelo início da sessão que começa em 15 de fevereiro. A esse valor são somados dois outros salários extras pela convocação extraordinária. Os parlamentares ganham tradicionalmente por ano 15 salários, sem o período extra, e mensalmente percebem R$ 12,7 mil.

Diante do desprezo dos políticos pelo eleitor e por aqueles que representam, espera-se, agora, do presidente da Câmara o cumprimento da promessa inicial: punição aos faltosos com base no regimento da Casa e na Constituição. Regras que incluem o desconto no salário do parlamentar que faltar às sessões, e aqueles que se ausentam a um terço delas correm o risco de sanção política, entre as quais a perda do mandato.