Título: Sopa vira motivo de conflito racial
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Fonte: Jornal do Brasil, 23/12/2005, Internacional, p. A12

O que seria apenas um ato de caridade na semana do Natal, virou motivo para um embate, por enquanto pacífico, entre ultranacionalistas franceses e ativistas de defesa dos direitos dos imigrantes e seus descendentes. Um grupo de radicais nacionalistas decidiu distribuir uma sopa para sem-teto na cidade de Nice. Com carne de porco, não consumida por muçulmanos, que fazem da França o país com a maior concentração desse grupo na Europa.

Foi o que bastou para manifestantes iniciarem protestos e acusarem os benfeitores de racistas e ampliarem o debate que remeteu aos incidentes envolvendo jovens filhos de imigrantes africanos que incendiou a França recentemente.

- Essa sopa de carne de porco é discriminação pura, é um jeito de dizer às pessoas que não comem carne de porco: vocês podem ficar aí em suas caixas de papelão passando fome. Depois das festas, vamos criar nossa própria cozinha e haverá ''shorba'' para todo mundo - disse a ativista Teresa Mafeis, usando a palavra em árabe para sopa.

- Não estou excluindo ninguém. Estamos cansados de ser tratados como nazistinhas. Se um muçulmano vier, vou servi-lo, mas os pobres de verdade hoje em dia são nosso povo - rebateu Dominique Lescure, chefe do grupo ultranacionalista, o ''Solidariedade'', cujo lema é ''o nosso antes dos outros''.

Ontem, a concentração de manifestantes era equivalente à de famintos, e a polícia teve de ser chamada para evitar ataques à cozinha improvisada.

- Nossos pais são muçulmanos e lutaram pela França com honra e lealdade - gritou uma muçulmana, referindo-se a africanos que combateram seus próprios compatriotas em seus países a favor da França colonialista e, depois, migraram para a Europa para constituir família.

A ''guerra da sopa'' tomou proporções de outro conflito racial no dia em que a França aprovou uma rigorosa e polêmica lei antiterror. Segundo a legislação que passou no parlamento ontem, passa a ser permitido o aumento da vigilância com câmeras de vídeo em áreas públicas, entre elas, aeroportos e locais de oração. A polícia também terá mais tempo para interrogar suspeitos e maior agilidade para checar registros telefônicos e na internet.

Os críticos da nova lei temem que as autoridades acabem ignorando os direitos humanos e voltando suas atenções apenas para as minorias, especialmente os muçulmanos.

Na quarta-feira, a União Européia aprovou uma série de medidas para melhorar a integração dos imigrantes em todos os estados-membro. Em síntese, o objetivo é garantir a esses cidadãos ''o mesmo nível de direitos'' dos que nasceram no país em questão, como explicou o comissário europeu de Segurança, Liberdade e Justiça, Franco Frattini. A decisão já levantou polêmica e alguns países, como a Alemanha, já opinaram que a deliberação sobre imigração deve ser prerrogativa de cada uma das nações.