O Globo, n. 32.292, 04/01/2022. Brasil, p. 4

De volta ao hospital
Mariana Rosário, Adriana Dias Lopes, Guilherme Caetano, Adriana Mendes e Jussara Soares


O presidente Jair Bolsonaro interrompeu as férias em Santa Catarina e voltou a ser internado ontem de madrugada em São Paulo para tratar uma obstrução intestinal. Ele foi submetido a um tratamento clínico, com suspensão de alimentação e colocação de uma sonda para drenar o conteúdo do estômago. Segundo boletim médico divulgado à noite, a estratégia levou à melhora do quadro, e o presidente não tinha dores nem febre. A equipe médica ainda avalia se será necessário fazer cirurgia. Não há previsão de alta.

Em uma rede social, o presidente relatou que começou a passar mal após o almoço de domingo. O aumento do desconforto abdominal o levou a suspender as férias em São Francisco do Sul (SC), onde estava desde o dia 27 com a primeira-dama Michelle, e embarcar para São Paulo. Um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) o transportou, por volta da meia-noite, até Joinville (SC), de onde seguiu para a capital paulista. Após desembarcar, foi levado de carro ao Hospital Vila Nova Star, onde já estivera internado em julho de 2021.

Os médicos optaram por iniciar o tratamento com uma abordagem mais conservadora, que envolve “descansar” o intestino, suspendendo a alimentação e tirando o que já está no estômago. O cirurgião Antônio Luiz de Vasconcellos Macedo, que acompanha Bolsonaro desde que ele levou uma facada na barriga na campanha presidencial de 2018, deve avaliar o quadro clínico hoje. Também de férias, Macedo estava nas Bahamas com a família, e sua chegada a São Paulo era aguardada para a madrugada de hoje.

— Vou examinar o presidente, apalpar a barriga dele, que é o que interessa (exame clínico) —disse Macedo ao GLOBO. — O que vou decidir é examinando clinicamente e ver o que tem que ser feito (para resolver o problema). Da outra vez não precisou de cirurgia. Não está descartada, mas não há certeza que terá de ser operado.

Durante a tarde, Bolsonaro se levantou e deu alguns passos pelo corredor do hospital, o que ajuda a movimentar o intestino, segundo médicos. “O paciente fez uma curta caminhada pelo corredor do hospital e permanece em tratamento clínico”, informou a equipe de Macedo, por nota, no início da noite de ontem. “Ainda não há avaliação definitiva quanto à necessidade de intervenção cirúrgica”, terminou o texto dos médicos.

Cirurgia em poucos casos

O boletim médico informa que Bolsonaro tem uma suboclusão intestinal, nome dado a uma obstrução intestinal branda, que impossibilita o fluxo natural de alimentos pelo intestino. Segundo o cirurgião Ben-Hur Ferraz Neto, livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), a condição pode estar relacionada às quatro cirurgias gástricas pelas quais o chefe do Executivo foi submetido nos últimos três anos —no período, Bolsonaro ainda fez uma vasectomia e a retirada de cálculos renais, sem relação direta com o sistema digestivo.

—Para o tratamento é preciso deixar o intestino em repouso. Em grande parte dos casos o tratamento é clínico e não necessita de cirurgia —afirma Ben-Hur.

A abordagem descrita pelo cirurgião, similar à aplicada a Bolsonaro, consiste em suspender a alimentação sólida, manter a hidratação intravenosa, realizar caminhadas — para movimentar o intestino — e instalar uma sonda nasogástrica para drenar o conteúdo do estômago e permitir o descanso do intestino.

O procedimento cirúrgico só é indicado caso esse tratamento mais conservador não dê resultado em cerca de 48 horas, diz o cirurgião do aparelho digestivo Juliano Barra, do Hospital Sírio-Libanês,

—Provavelmente, ele tem um edema (inchaço por de líquidos) que diminui o calibre da alça do intestino. Em resumo, é um estreitamento do intestino —explica o médico.

Em casos de suboclusão, diz o especialista, é esperado que a passagem do intestino não esteja totalmente fechada, somente reduzida. Trata-se de um impeditivo para a alimentação via oral, mas não um indicativo de necessidade de desobstruir por meio de operação — em que o médico “desdobraria” o intestino. De acordo com Barra, é possível que uma pessoa com o histórico de Bolsonaro tenha episódios do tipo durante toda a vida.

Crise de soluços

Em julho do ano passado, após uma intensa crise de soluços, Bolsonaro ficou quatro dias internado no Vila Nova Star, também com diagnóstico de obstrução intestinal. Na época, chegou a ser aventada a possibilidade de cirurgia, mas a equipe médica optou pelo tratamento clínico. Depois de três dias sem alimentação sólida, os médicos receitaram dietas cremosa e pastosa para não voltar a incomodar o sistema digestivo.

Bolsonaro foi vítima de um atentado em 6 setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Logo após levar uma facada, ele passou por duas operações. Em janeiro de 2019, o presidente realizou o terceiro procedimento cirúrgico, para retirar a bolsa de colostomia que usava havia três meses. Em setembro daquele ano, fez a quarta operação, desta vez para corrigir uma hérnia.

O GLOBO apurou que, ainda ontem, Bolsonaro foi submetido a teste de Covid-19, que deu negativo. Ele está sozinho no 15º andar, isolado por seguranças.