Valor Econômico, 17/04/2020, Internacional, p. A9
UE pode acabar se não ajudar países na crise, diz Macron
Victor
Mallet
Roula Khalaf
O presidente da França, Emmanuel Macron, alertou ontem para a risco de um
colapso da União Europeia (UE), como “projeto político”, se ela não apoiar
economias abaladas, como a Itália, ajudando-as na recuperação da pandemia.
Em entrevista
ao “Financial Times”, Macron disse que “não há escolha” a não ser estabelecer
um fundo que “possa emitir dívida conjunta, com garantia conjunta” para
financiar os países da UE segundo suas necessidades, em vez do tamanho de suas
economias. Alemanha e Holanda se opõem.
A UE enfrenta
o “momento da verdade” e precisa decidir se é mais do que um mercado econômico
único, pois a falta de solidariedade durante a pandemia pode alimentar a ira
populista no sul da Europa, disse Macron. “Se não conseguirmos fazer isso hoje,
digo a você que o populismo vencerá - hoje, amanhã, depois de amanhã, na
Itália, na Espanha e talvez na França e em outros países”, afirmou ele.
“Creio que a
UE é um projeto político. E, como projeto político, o fator humano é
prioritário e há noções de solidariedade que entram em jogo... a economia parte
disso, e não devemos nos esquecer de que a economia é uma ciência moral.”
A França vem
pressionando pela criação de um fundo conjunto ou a alocação de cerca de € 400
bilhões do orçamento da UE, além da ajuda emergencial já oferecida pelo Banco
Central Europeu (BCE) e outras instituições do bloco, para amenizar o impacto
econômico das medidas de confinamento.
Itália,
Espanha e outros países da zona do euro apoiam a iniciativa, Alemanha, Holanda
e outros países do norte da Europa resistem em mutualizar a dívida,
argumentando que isso tornaria seus contribuintes responsáveis pelos
empréstimos contraídos por outros países. Líderes da UE deverão realizar uma
videoconferência na próxima quinta-feira para discutir o plano e outras ações
emergenciais.
Questionado se
a rejeição do fundo poderia desencadear o colapso da zona do euro, Macron
respondeu: “Sim, devemos ser claros. E também da ideia europeia”.
“Não se pode
ter um mercado único em que alguns são sacrificados”, acrescentou. “Não é mais
possível... ter financiamentos que não sejam mutualizados para os gastos que
estamos tendo na batalha contra a covid-19 e que teremos na recuperação
econômica.”
Macron disse
que a maior parte dos países da UE já quebrou o espírito das regras
sacramentadas nos tratados europeus para lidar com as consequências econômicas
da pandemia da covid-19. Muitos estão abandonando restrições a ajuda estatal a
empresas- que, segundo ele, a Alemanha pode financiar a taxas de juros menores
que Grécia ou Itália, para salvar empregos.
“Vamos
estatizar os salários e lucros e perdas [a conta financeira] de quase todas as
nossas empresas”, disse Macron. “É isso que estamos fazendo. Todas as nossas
economias, incluindo as mais liberais, estão fazendo isso. É contra todos os
dogmas, mas é assim que é.”
Macron disse
estar mantendo um “diálogo permanente” com a premiê alemã, Angela Merkel, e o
premiê holandês, Mark Rutte, e que eles estão “se aproximando” de como
financiar a recuperação das economias da UE após a crise.
Seria um erro
histórico dizer de novo que “os pecadores é que precisam pagar [por seus
pecados]”, disse Macron. Ele lembrou o “erro colossal e fatal” da França em
exigir reparações da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, o que desencadeou
a reação populista alemã e o desastre que se seguiu.
“É o erro que
não cometemos no fim da Segunda Guerra”, disse. “Até hoje as pessoas comentam o
Plano Marshall... Chamamos isso de ‘dinheiro de helicóptero’ e afirmamos que
‘precisamos esquecer o passado, começar de novo e olhar para o futuro’.”