O Globo, n. 32.292, 04/01/2022. Brasil, p. 5

Idas do presidente ao Nordeste triplicam desde 2019
Guilherme Caetano


As férias de Jair Bolsonaro em Santa Catarina, num momento em que a Bahia demandava atenção em razão da tragédia causada por chuvas torrenciais, vão na contramão dos acenos dados pelo presidente ao Nordeste ao longo de 2021. Em seu terceiro ano de mandato, o presidente triplicou o número de discursos em terras nordestinas em comparação a 2019: 21 ocasiões ante sete. Cientistas políticos, no entanto, consideram o número insuficiente diante da imagem calcificada de “desdém” do presidente em relação à região.

O levantamento do GLOBO, com informações do Palácio do Planalto, contabiliza viagens com discursos oficiais, feitos, por exemplo, em cerimônias de inauguração de obras, de posse, solenidades militares, eventos empresariais e formaturas. Discursos no Distrito Federal e fora do país foram desconsiderados.

Além de 25 mortos e centenas de feridos, as enchentes na Bahia no mês passado deixaram milhares de pessoas desabrigadas e 153 cidades em estado de emergência. O governo federal, entretanto, recusou ajuda humanitária oferecida pela Argentina ao estado, e Bolsonaro chegou a afirmar ao site ND Mais, de Santa Catarina, que esperava “não ter que retornar” de sua folga antes do previsto.

Carlos Melo, professor do Insper, afirma ser difícil explicar as razões pelas quais Bolsonaro preferiu não ir à Bahia no ápice da crise, mesmo sofrendo pressões de aliados, mas relaciona a postura ao fato de o estado ser governado por um quadro do PT, Rui Costa.

— De algum modo, não deixa de ser um enfrentamento que ele faz ao fato de ser um governo do PT, aos setores da sociedade que têm essa postura mais humanitária, que se preocupa com enchentes, com Covid, fome... Bolsonaro quer mostrar para o seu eleitor que ele dá pouca importância para isso, que ele é durão — diz Melo.

 

Sinal de menosprezo

O cientista político Cláudio Couto, da FGV, inclui o comportamento de Bolsonaro em relação ao Nordeste como mais um item na lista do que qualifica como “menosprezo presidencial” à região, que inclui termos pejorativos em relação aos nordestinos:

— Depois de chamar os governadores da região, jocosamente, de “paraíbas”, e de se comportar dessa forma desdenhosa em relação às enchentes na Bahia, será difícil mudar a percepção negativa que se tem dele na região. Ademais, Lula nada de braçadas por lá. É muito popular, oriundo da região e tem uma postura bem mais positiva em relação ao Nordeste.

As pesquisas indicam que o Nordeste é a região mais fiel ao PT, onde a intenção de voto em Lula chega a 63%, segundo o último Datafolha. Já Bolsonaro tem suas maiores intenções de voto no Norte e no Centro-Oeste (29%), seguido pelo Sul (27%). Somados, os nove estados nordestinos têm 38 milhões de eleitores e correspondem a 27% de todo o eleitorado brasileiro.

O maior número de visitas ao Nordeste em 2021 diverge da atenção dada por Bolsonaro à região em seu primeiro ano de mandato — quando ele também formou um Ministério sem nordestino algum. Desde a posse, ele demorou quase cinco meses para fazer sua primeira visita à região. A estreia foi no Recife, na inauguração de um conjunto habitacional.

A participação do Nordeste nos discursos oficiais de Bolsonaro passou de 11% em 2019 para 20% em 2020, chegando a 31% no último ano. O Sudeste, por outro lado, perdeu espaço. Se a região concentrava 52% das viagens com discurso oficial do presidente no primeiro ano de mandato, a taxa em 2021 foi de 25%.

Enquanto Couto afirma que a maior importância do Nordeste na agenda de Bolsonaro decorre da preocupação em agradar os eleitores da região, Melo associa as viagens à rede de alianças que o presidente formou para criar uma base de sustentação ao seu governo na Câmara.

— É lá que reside o Centrão, no Piauí, de Ciro Nogueira; em Alagoas, de Arthur Lira. Se Bolsonaro não equilibrar, essas lideranças vão pular do barco. Então ele precisa mostrar de alguma forma a esses eleitores especiais que ele é capaz de sustentar uma campanha —afirma Melo.