Correio Braziliense, n. 22552, 15/12/2024. Política, p. 3
Ninguém subia ao segundo andar
De acordo com o relatório da Polícia Federal (PF), as articulações políticas do general da reserva Walter Braga Netto se estenderam além da derrota nas urnas, em outubro de 2022. Ele manteve o escritório funcionando até o fim daquele ano, quando a casa foi devolvida ao locador. Ao longo de quase seis meses, o movimento foi intenso no segundo andar da mansão, que recebeu políticos, correligionários e muitos militares.
De acordo com assessores da campanha de Jair Bolsonaro, que falaram reservadamente ao Correio, a estrutura montada por Braga Netto era apartada da equipe que atuava no primeiro andar, onde trabalhavam os profissionais de marketing, imprensa e produção audiovisual.
"Bolsonaro raramente aparecia. Ele usava mais o estúdio da produtora contratada, que funcionava em outra casa, também no Lago Sul. Braga Netto, ao contrário: ia quase todos os dias para o comitê, mas ele se trancava no segundo andar com seu time próprio", disse uma das pessoas ouvidas pelo Correio.
O acesso ao segundo andar era rigidamente controlado. Havia sempre um segurança na escada e outro, no hall do pavimento superior. Só subia quem tinha autorização de Braga Netto. Ninguém do time de profissionais que trabalhava no andar de baixo tinha permissão para subir.
Para a PF, o escritório do militar não era usado com fins eleitorais e, sim, como um local reservado à conspiração golpista. Uma vez por semana, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, reunia o chamado "alto comando" da campanha — Bolsonaro, Braga Netto, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o marqueteiro Duda Lima — para avaliar o andamento da corrida eleitoral, sempre no primeiro andar da casa.
Quando a derrota de Bolsonaro foi confirmada, o PL desmobilizou a equipe. Mas Braga Netto continuou utilizando o segundo andar do imóvel. As equipes que atendiam Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle foram transferidas para a sede do PL, no edifício Brasil 21, no Setor Hoteleiro Sul.
Ao longo das investigações, a PF reuniu farto material com indícios de que o "bunker" de Braga Netto tinha outras finalidades — entre elas, fazer a ponte entre alguns militares e o acampamento de cunho golpista montado na frente do Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano, que pedia intervenção militar. Outra suspeita é de que o endereço tenha sido usado para articular as estratégias de descredibilização das urnas eletrônicas.
De acordo com o relatório apresentado ao STF pela PF, "a residência utilizada pelo comitê da campanha de Bolsonaro (...) foi utilizada pelo general Braga Netto para realizar encontros com pessoas que defendiam uma intervenção militar. Tal fato explica os deslocamentos de Amauri Saad e José Eduardo de Oliveira e Silva entre o Palácio da Alvorada e o referido imóvel".
Saad e Oliveira e Silva são apontados como integrantes do Núcleo Jurídico do golpe. Entre novembro e dezembro de 2022, participaram de reuniões com o então assessor presidencial Filipe Martins no local. A PF mapeou, cruzando dados de aplicativos de mensagens e de geolocalização por torres de telefonia celular, os movimentos dos dois entre o comitê de campanha e o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, que tem vários registros de entrada dos investigados.
Frequentadores do Núcleo Jurídico
Filipe Martins — Ex-assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, foi quem apresentou a Jair Bolsonaro a “minuta do golpe”, segundo a PF. O documento propunha a edição de um ato presidencial para intervir na Justiça Eleitoral e prender ministros do STF. Foi preso preventivamente, em fevereiro, na Operação Tempus Veritatis por integrar a organização que planejou o golpe.
Amauri Saad — Seria um dos “autores intelectuais” da estratégia jurídica para impedir a posse do hoje presidente Lula, a partir de uma interpretação já condenada pelo STF do artigo 142 da Constituição — de que as Forças Armadas seriam uma espécie de “poder moderador” da República. A “releitura” do artigo 142 foi sugerida inicialmente pelo jurista Yves Gandra Martins.
José Eduardo de Oliveira e Silva — Ligado à Diocese de Osasco (SP), ficou famoso pelo discurso pró-Bolsonaro nas missas e por declarações polêmicas — afirmou que a indústria farmacêutica deveria criar “um calmante em forma de supositório”. À PF, disse que esteve no QG do Golpe apenas para dar “ atendimento espiritual”.