Correio Braziliense, n. 22551, 14/12/2024. Política, p. 3
Sem freio para Bolsa Família em bets
Juliana Sousa
Eduarda Esposito
Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou ao governo a criação de mecanismos para impedir o uso do Bolsa Família em apostas esportivas on-line, conhecidas como “bets”. O órgão argumentou haver barreiras técnicas que dificultam a implementação da medida.
Em novembro, o ministro Luiz Fux determinou que o governo tome medidas para proibir que recursos do Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e outros programas sociais sejam direcionados ao pagamento dessa modalidade de apostas. A decisão foi confirmada por unanimidade pelo plenário.
“Conquanto louvável e necessária a preocupação com a situação econômica de indivíduos e famílias vulneráveis, a adoção de ‘medidas imediatas’ encontra barreiras de ordem prática de difícil superação”, disse a AGU na manifestação enviada à Corte na noite da quinta-feira.
Segundo o órgão, é impossível diferenciar o dinheiro do Bolsa Família de outras rendas depositadas na mesma conta bancária das famílias beneficiadas, o que inviabiliza o controle do uso específico dos recursos.
Além disso, a AGU destacou que, após o repasse do benefício, os valores passam a ser de propriedade do titular da conta, eliminando qualquer possibilidade de interferência, por parte do poder público, na destinação dos recursos.
A petição foi apresentada por meio de embargos de declaração — ferramenta jurídica que solicita esclarecimentos sobre decisão judicial. No recurso, a AGU pede orientações mais claras sobre como o governo deve cumprir a determinação e um “prazo razoável” para implementar as regras.
O órgão pediu que a Corte esclareça quais programas sociais são alcançados pela decisão e se os estados autorizados a explorar as “bets” também são obrigados a cumprir a decisão.
“Além dos diversos programas de benefícios sociais existentes na esfera federal, que não foram exaustivamente especificados no julgado, há também inúmeros benefícios estaduais, não sendo possível depreender da decisão em exame se estes também devem ser incluídos no impedimento de utilização de seus recursos para a realização de apostas de quota fixa”, frisou.
Os argumentos apresentados pela AGU se baseiam em pareceres técnicos da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazen da, e da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Social. Ambas reforçam a inviabilidade prática do cumprimento imediato da ordem judicial.
O Banco Central afirmou que é possível vedar o uso de cartões de débito para pagar as “bets”, mas ponderou que a medida teria eficácia limitada porque as apostas poderiam ser realizadas por outros meios, como cartões pré-pagos e Pix.
O recurso agora será analisado por Fux, que pode decidir de forma individual ou submeter o caso ao plenário do STF. Ainda não há prazo definido para a conclusão da análise.
A preocupação com o uso do Bolsa Família em bets surgiu após o Banco Central revelar que cinco milhões de beneficiários do programa apostaram cerca de R$ 3 bilhões em agosto deste ano.
Sistema integrado
Na avaliação do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a proibição de usuários do Bolsa Família é possível, sim, graças à integração dos sistemas das bets com o governo.
“Agora, com o cadastro das bets em que a Receita Federal tem todo o mecanismo para saber quem são os apostadores porque o cadastro é feito com o CPF, dá para identificar os usuários do Bolsa Família. Não pode a empresa de aposta aceitar, precisa ser bloqueado”, comentou ao Correio.
O parlamentar tem um projeto de lei, em tramitação na Câmara, que prevê o bloqueio de cadastro em casas de apostas para usuários do Bolsa Família e CadÚnico. (Com Agência Estado)
Frase
“Conquanto louvável e necessária a preocupação com a situação econômica de indivíduos e famílias vulneráveis, a adoção de ‘medidas imediatas’ encontra barreiras de ordem prática de difícil superação”
Lei das Bets
A liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF) foi deferida no âmbito de ações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), do partido Solidariedade e da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a Lei das Bets, que regulamenta a atividade no país. Antes de proferir a liminar, o ministro conduziu audiências públicas para ouvir especialistas sobre o tema.