Título: Surpresas de Bento XVI
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 26/12/2005, Opinião, p. A12

Há quase nove meses, quando Bento XVI foi eleito papa, o povo de Wadowice, cidadezinha polonesa onde nasceu João Paulo II, não se conformava com a perda do conterrâneo. Choravam muito ainda, mas, católicos de tradição, não ousavam criticar a escolha do Vaticano.

Apenas suspiravam, pousavam a mão sobre o coração, e a maioria, quase sussurrando, repetia como um mantra: ''Mas ele é alemão...''. Ecos da Segunda Guerra permaneciam no coração dos vizinhos do campo de concentração de Auschwitz.

O trauma era localizado, mas a comunidade católica mundial também parou para esperar a que viria um papa aparentemente sisudo e extremamente ortodoxo na defesa dos dogmas católicos. Poucos lembraram imediatamente que Joseph Ratzinger foi, por mais de duas décadas, braço direito e conselheiro teológico do antecessor.

Faltava carisma, muitos se apressaram em assinalar, deixando clara a dificuldade de imaginar o sucessor do papa peregrino lotando a Praça de São Pedro. Mas Bento XVI não só o fez como superou os últimos números de João Paulo II.

E, como o enviado de Deus que o antecedeu, mobilizou jovens cristãos no último festival da juventude em seu país. A poucos dias do Natal, apareceu em público com o que o mundo aprendeu chamar-se ''camauro'', um capuz tradicional, muito parecido com o de Papai Noel. Ganhou as primeiras páginas dos jornais mundo afora.

Na primeira mensagem de Natal, ontem, Bento XVI deixou a assinatura da forma mais contundente desde que assumiu. Aos milhares de fiéis que lotavam a Praça de São Pedro sob chuva fria, falou do que esperavam ao pedir a paz mundial. Preferiu, contudo, a prosa aos versos de João Paulo II. E preferiu, também, citar cada conflito mundial a usar a mensagem poética e um tanto genérica do antecessor.

Quanto a questões tradicionais, nenhum avanço, para pesar dos progressistas. Há quem aposte que a Igreja tende a radicalizar ainda mais em relação a questões como aborto, controle de natalidade e avanços em direção à reprodução humana. O pontífice, que a princípio foi apresentado como buldogue do catolicismo - tamanho o apego aos dogmas -, acaba de politizar a urbi et orbi. Habemus paradoxum.