O Estado de S. Paulo, n. 47879, 18/11/2024. Política, p. A8

Gasto federal fora do teto nos últimos 6 anos chega a R$ 20 bilhões
Weslley Galzo

 


Ganhos acima do permitido por lei são puxados pelas verbas indenizatórias, conhecidas como penduricalhos.

O pagamento de auxílios e penduricalhos acima do teto remuneratório do funcionalismo público, atualmente fixado em R$ 44 mil, custou aos cofres públicos pelo menos R$ 20 bilhões entre 2018 e 2024. É o que mostra o estudo realizado pela instituição República.org no Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público.

“São benefícios que acabam se transformando em privilégios quando você compara com outros servidores” Vanessa Campagnac

Cientista política e integrante do grupo responsável pelo estudo

Os dados foram obtidos a partir do painel Dados JusBR, da Transparência Brasil. O levantamento considerou os ganhos de servidores da ativa, inativos e pensionistas, incluindo juízes, desembargadores e procuradores, que figuram entre as principais carreiras com remunerações acima do teto, formando uma elite do funcionalismo público.

Outro indicador do estudo mostra que o porcentual de servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público que receberam pelo menos um mês de supersalário ao longo do ano cresceu de 83%, em 2018, para 92% neste ano.

Esses ganhos acima do permitido por lei são puxados pelas chamada verbas indenizatórias, também conhecidas como penduricalhos, que consistem em benefícios reconhecidos por lei ou por atos normativos que não incidem no teto por não se enquadrarem como remuneração. O chamado teto constitucional estabelece que a remuneração máxima não pode ultrapassar o que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

‘EXCEÇÕES’. “São benefícios que acabam se transformando em privilégios quando você compara com outros servidores”, afirmou a cientista política Vanessa Campagnac, que integra o grupo de autores do levantamento. “Essas são exceções do serviço público. A grande massa de servidores públicos ganha muito menos, não tem esses benefícios, nunca vai extrapolar o teto. (Esses servidores) São aqueles geralmente que estão trabalhando nos municípios”, disse a cientista política. “O perfil típico no serviço público brasileiro são mulheres negras trabalhando nos municípios que estão muito longe dessa pequena parcela que ganha muito. Uma exceção da exceção que onera”, completou a pesquisadora.

De acordo com o estudo da República.org, 62% do valor extrateto vêm de rubricas consideradas indenizatórias pelo projeto de lei dos supersalários, que tramita no Senado. Esses ganhos extras são geralmente obtidos a partir de demandas de associações e grupos organizados ao Poder Judiciário e aos órgãos de controle das carreiras.

GRATIFICAÇÃO. Um exemplo desses benefícios é a chamada licença compensatória, que é uma espécie de gratificação por acúmulo de função. Entre janeiro de 2024 e julho de 2024, o valor pago por esse benefício cresceu 400%, saltando de um valor próximo de R$ 100 milhões para mais de R$ 300 milhões. Vanessa Campagnac afirmou que o crescimento dos gastos com esse tipo de auxílio está relacionado à profusão de novos penduricalhos.

A análise elaborada pela organização não governamental (ONG) República.org no estudo é a de que o projeto dos supersalários do funcionalismo público, nos moldes em que é discutido atualmente, regulamenta essas rubricas e autoriza o seu caráter extrateto, em vez de limitá-lo. Os pesquisadores da ONG avaliaram que o texto da lei precisa diminuir consideravelmente a quantidade de verbas indenizatórias e o limite desses benefícios para que o teto remuneratório seja, de fato, efetivo.

‘ABUSOS’. O ex-deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), que relatou o projeto sobre os supersalários na Câmara, afirmou que os R$ 20 bilhões gastos nos últimos seis anos com verbas acima do teto remuneratório são “privilégios e abusos continuados ao longo dos anos e a olhos vistos das maiores autoridades do País”.

Bueno, por outro lado, disse que o projeto em discussão atualmente no Senado busca corrigir esses problemas. Para ele, excluir as exceções incluídas no texto, que regulamentam algumas rubricas, “geraria injustiças de toda sorte”. O ex-deputado argumentou que o ponto forte da medida é identificar de maneira clara os pagamentos acima do limite.

“Sobrarão dois caminhos para os que pretenderem implantar nova verba remuneratória excluída do limite e não contemplada na futura lei: convencer os legisladores de que a medida é justa, com a consequente alteração do texto em questão, ou cometer crime e responder por seu cometimento”, afirmou Bueno.