Título: Pobres políticos
Autor: Marcus Quintella
Fonte: Jornal do Brasil, 26/12/2005, Outras Oiniões, p. A13

Há muito tempo, li um interessante artigo intitulado ''A pobreza dos ricos'', assinado pelo prof. Cristovam Buarque, ex-ministro da educação e atual senador da república, que analisava a paradoxal vida das classes abastadas de nosso país. O artigo começava dizendo que os ricos brasileiros ostentam bastante e, ao mesmo tempo, são pobres, porque possuem tudo que o dinheiro pode comprar, mas convivem lado a lado com a pobreza, são assaltados, seqüestrados e mortos nos semáforos, não dormem tranqüilos com seus filhos na rua e gastam fortunas para proteger suas casas.

O prof. Buarque diz que os ricos brasileiros vivem encalacrados na pobreza social, pois são cercados por pedintes e não desfrutam do prazer de andar a pé pelas ruas e são obrigados a comer em restaurantes fechados e protegidos por seguranças. Em suma, os ricos brasileiros são pobres de tanto medo e pela falta de segurança para usufruir seu patrimônio e pela incerteza do futuro de seus filhos.

Na verdade, lembrei-me do artigo do prof. Buarque quando estava lendo uma recente matéria jornalística sobre a mudança na rotina dos cariocas e fluminenses em virtude do medo da violência. A matéria teve por base uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, cujos resultados confirmam a pobreza das classes média e alta do estado do Rio de Janeiro, uma vez que os números revelam que grande parte da população deixou de sair de casa à noite, acham que a violência aumentou nos últimos meses e sentem-se inseguras em suas casas e bairros. Além disso, o grau de confiança nas polícias militar e civil e na justiça criminal encontra-se lamentavelmente muito baixo.

Penso que a violência não seja somente um caso de polícia e de justiça, mas também uma questão social e econômica, onde os governantes e políticos deveriam dar prioridade zero neste país. Grande parte da classe política precisa entender, de uma vez por todas, que não podem ganhar tudo, o tempo todo, oprimindo e enganando o povo, como sempre fizeram, desde os tempos imperiais. É preciso construir e desenvolver o país com os altos e injustos tributos arrecadados e dividir suas fortunas, lícitas ou ilícitas, com a população, inclusive os milhões de miseráveis e pobres brasileiros. A palavra-chave é definitivamente ''distribuição de renda'' e renda não pode ser distribuída com discursos, mas com investimentos em saneamento básico, saúde pública, educação, habitação, alimentação, transporte público e geração de empregos.

Caso os governantes e políticos fossem menos vaidosos, egoístas e tivessem bom senso, deveriam, prioritariamente, apostar todas suas fichas no combate efetivo e eficaz da violência, já que a situação encontra-se insustentável e sem controle. Em seguida, deveriam investir nas necessidades humanas básicas citadas, para, assim, criar boas condições de vida para todos, ricos e pobres, e para que eles próprios possam usufruir de suas ilusórias e transitórias conquistas materiais. O raciocínio é simples: caso as classes menos favorecidas melhorem de vida, as demais classes poderiam viver naturalmente mais protegidas e com seus bens menos vulneráveis.

Desta forma, os pobres poderiam ficar mais ricos e os ricos menos pobres e todos seriam felizes até que apareçam outros governantes e políticos que revertam a situação. Por enquanto, tudo isso é para quem acredita em Papai Noel. Feliz Natal.

Professor do IME e da FGV (marcusquintella@uol.com.br)