O Estado de S. Paulo, n. 47880, 19/11/2024. Internacional, p. A10
Argentina adere no fim a aliança contra a fome
Carolina Marins
Beatriz Bulla
Felipe Frazão
Em discurso, Javier Milei criticou intromissão do Estado
Fora da lista inicial divulgada pelo Itamaraty, a Argentina de Javier Milei aderiu no último momento ao acordo patrocinado pelo Brasil que recebeu o apoio de 82 países.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem a adesão de 82 países à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, principal tema da presidência brasileira do G-20 e talvez o único dos três pilares propostos pelo País com algum avanço concreto. A Argentina de Javier Milei aderiu no último momento, segundo o Itamaraty, e não constava na lista inicialmente divulgada pelo governo brasileiro.
De acordo com os diplomatas, Milei foi o menos aplaudido nos discursos de abertura da cúpula. No primeiro semestre deste ano, a pobreza na Argentina chegou a 52,9% da população, depois do choque recessivo dado pelo presidente na economia para tentar tirar o país da longa crise persistente. Ontem, o libertário voltou a criticar o multilateralismo e a intromissão do Estado, afirmando que só o capitalismo tira as pessoas da pobreza.
O presidente chileno, Gabriel Boric, rebateu Milei em seu pronunciamento. Segundo relatos de fontes que acompanharam a reunião, ele fez menções ao discurso do argentino e disse que, no Chile, iniciativas apenas do setor privado não resolveram a questão da pobreza. Boric também elogiou programas sociais do Brasil, como o Bolsa Família.
REDE DE APOIO. Além dos países que aderiram à causa, a aliança global contra a fome terá 66 organismos internacionais, entre eles fundações como Gates e Rockfeller e bancos “Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade” Luiz Inácio Lula da Silva Presidente do Brasil multilaterais, como Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial.
Em seu discurso, Lula afirmou que este será o maior legado da cúpula do Rio. “Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade. Por isso, colocamos como objetivo central da presidência brasileira no G-20 o lançamento de uma aliança global contra a fome e a pobreza.”
“O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza. Segundo a FAO, em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas. É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome”, afirmou Lula.
DIVERGÊNCIAS. A cúpula do G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. Como anfitrião e presidente do G-20, o Brasil estabeleceu três pilares de discussão pelas lideranças internacionais: combate à fome e à pobreza; reforma dos organismos de governança internacional; e transição energética e desenvolvimento sustentável.
A criação do mecanismo já foi aprovada antes e angariou novos integrantes nas últimas semanas, incluindo o presidente dos EUA, Joe Biden, que deixará o cargo em janeiro. A expectativa do governo Lula, porém, era receber adesão de pelo menos 100 membros.
O objetivo é acelerar a redução da pobreza e eliminar a fome até 2030. Uma manifestação realizada no domingo, na Praia de Copacabana, apresentou 733 pratos vazios espalhados pela areia para representar os 733 milhões de pessoas que passam fome no mundo, de acordo com dados das Nações Unidas.
A aliança funcionará por cinco anos, a partir de 2025, com um secretariado sediado na FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – em Roma, na Itália. Além de obter doações de recursos, uma das intenções da aliança é mobilizar fundos já existentes para programas que reconhecidamente funcionam. Os países que desejam receber dinheiro devem se comprometer a adotar um dos programas.
O BID, por exemplo, aderiu à aliança e anunciou que vai alocar até US$ 25 bilhões em financiamentos aos seus países-membros para garantir a implementação de políticas e programas de combate à pobreza e à fome.
AVANÇOS. De acordo com o cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Mauricio Santoro, a agenda da fome e pobreza é a única que deve avançar, já que as demais tendem a ser esvaziados pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca ano que vem.
O presidente eleito dos EUA é crítico do multilateralismo e os demais pilares propostos pelo Brasil devem enfrentar resistência internacional com seu governo.
“É um tema muito importante para o presidente Lula e é o menos controvertido”, diz Santoro. “Não tem ali ninguém que seja contrário a isso, pode haver alguma discordância em termos concretos sobre a melhor maneira de obter isso, mas acho que é um é muito promissor.” •