O Estado de S. Paulo, n. 47881, 20/11/2024. Política, p. A9

PF relata plano para matar Lula, Alckmin e Moraes e dar um golpe
Pepita Ortega
Fausto Macedo

 

 

A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Contragolpe e prendeu o general da reserva Mário Fernandes, que foi secretário-geral da Presidência de Jair Bolsonaro (PL), outros três oficiais do Exército e um policial federal. Eles são suspeitos de tramar, no final de 2022, os assassinatos do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu vice, Geraldo Alckmin, além do sequestro e execução do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fernandes foi apontado pela PF como autor de plano que detalhava a estratégia para os assassinatos, discutido em reunião na casa do general Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022. Ao pedir autorização ao STF para a operação, a PF indicou possível indiciamento de Bolsonaro num relatório final do inquérito.

General, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, e outros oficiais são presos; políticos e ministro do STF seriam mortos por envenenamento ou até por atentado a bomba, diz investigação

A Polícia Federal prendeu ontem um general da reserva, exintegrante do governo Jair Bolsonaro (PL), outros três oficiais militares e um policial federal suspeitos de participação em uma trama para o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e do vice, Geraldo Alckmin, além do sequestro e execução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A Operação Contragolpe é um desdobramento do inquérito que investiga uma “organização criminosa” suspeita de atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito após o resultado da eleição presidencial de 2022 – quando Lula venceu o ex-presidente no segundo turno da disputa por uma margem pequena de votos.

A nova investida dos agentes federais amplia as suspeitas sobre Bolsonaro e seu entorno, descrevendo atuações do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, e, principalmente, do general reformado Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência – um dos presos ontem, apontado como o autor do arquivo que detalhava a possibilidade de envenenar Lula, matar Alckmin e explodir Moraes. No relatório encaminhado ao Supremo, a PF conclui que Bolsonaro, em dezembro de 2022, “estava naquele momento empenhado para consumação do golpe de Estado, tentando obter o apoio das Forças Armadas”.

Materiais apreendidos na Operação Tempus Veritatis, aberta em fevereiro, orientaram a operação policial que prendeu Fernandes e três “kids pretos”: o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rafael Martins de Oliveira e o major de Infantaria Rodrigo Bezerra de Azevedo, que servia no Comando de Operações Especiais. Foi preso também o policial federal Wladimir Matos Soares, que atuou na segurança de Lula.

Lucas Garellus, capitão do Exército que serviu no 1.º Batalhão de Forças Especiais em 2017, foi alvo de buscas pela suspeita de ter auxiliado em ação de monitoramento de Moraes.

Kids pretos é como são chamados os militares de alta performance em ações de grande impacto. A investigação atribui a Braga Netto – que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição – envolvimento direto com a ação de kids pretos mobilizados para a “Operação Punhal Verde e Amarelo”, plano apreendido com Fernandes e que detalhava a estratégia para os assassinatos.

REUNIÃO. De acordo com os investigadores, a missão foi acertada em uma reunião na casa de Braga Netto. No encontro, no dia 12 de novembro de 2022, o “planejamento operacional para a atuação dos ‘kids pretos’ foi apresentado e aprovado”. Além disso, o general assumiria a função de coordenador-geral de um hipotético ‘Gabinete Institucional de Gestão da Crise’ caso a ruptura institucional ocorresse.

Ao pedir autorização ao Supremo para colocar a Operação Contragolpe nas ruas, a corporação indicou possível indiciamento de Bolsonaro num relatório final do inquérito. Quatro delegados da PF subscrevem a representação de 221 páginas encaminhada ao STF: Rodrigo Morais Fernandes (diretor de Inteligência da PF), Luciana Caires (chefe da Divisão de Contrainteligência), Elias Milhomens (coordenador de Contrainteligência) e Fábio Shor.

Eles indicam categoricamente passagens sobre suposto envolvimento do ex-presidente com a trama golpista (mais informações na página ao lado).

Nas diligências, a PF encontrou três arquivos considerados essenciais na investigação sobre o suposto golpe de Estado: um que tratava dos assassinato de Lula, Alckmin e o ministro do Supremo por envenenamento e até por meio de um atentado a bomba; uma planilha com o planejamento estratégico da ruptura institucional, dividido em cinco fases; e a minuta de criação de um gabinete de crise, que “pacificaria” o País após o golpe. A Polícia Federal identificou que o grupo suspeito – formado, em sua maioria, por militares com formação em Forças Especiais – “se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”.

‘QUÍMICOS’. O plano Punhal Verde e Amarelo previa o assassinato do então presidente eleito por envenenamento ou “uso de químicos para causar um colapso orgânico”, considerando a vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais do petista. No planejamento dos militares presos, Lula era tratado pelo codinome “Jeca” e seu vice, Alckmin, era “Joca”.

Nova investida amplia as suspeitas sobre Bolsonaro e seu entorno mais próximo

Fernandes, o general da reserva preso ontem, foi classificado como o guardião do ousado plano. O documento também trazia detalhes sobre a possível execução de Moraes e de Alckmin. Segundo a PF, o arquivo “continha um verdadeiro planejamento com características terroristas”.

Na visão dos investigados, segundo a PF, a “neutralização” de Lula “abalaria toda a chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB”. Já a morte de Alckmin “extinguiria a chapa vencedora”. “Como reflexo da ação, não se espera grande comoção nacional”, registrou o documento sobre o ex-tucano. Alckmin foi eleito vice na chapa de Lula pelo PSB, partido para o qual migrou depois de 33 anos no PSDB.

‘ARTEFATO’. O plano para eliminar Moraes demandava, por sua vez, meios mais pesados. O documento cita não só a possibilidade de envenenamento em evento oficial público, mas também o uso de “artefato explosivo”.

Em outro capítulo, o general chegou a descrever os armamentos que seriam necessários para concretizar o plano: pistolas e fuzis comumente utilizados por policiais e militares, “inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados”; além de uma metralhadora, um lança-granadas e um lança-rojão, “armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”.

Para a PF, o contexto de emprego de armamentos extremamente letais, bem como de uso de artefato explosivo ou envenenamento, revela que o grupo trabalhava com a possibilidade de assassinato de Moraes.

“Tal fato é reforçado pelo tópico denominado “Danos colaterais passíveis e aceitáveis”, em que o documento descreve como passível “100%” e aceitável também o porcentual de “100%”. Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de “neutralizar” o denominado “centro de gravidade”, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado, indicou a PF.

Segundo a PF, o general fez, no Palácio do Planalto, duas impressões do plano da Operação Verde e Amarelo. A primeira foi no dia 9 de novembro de 2022 e o documento foi levado em seguida ao Palácio da Alvorada – residência oficial do presidente da República. A segunda impressão, feita no mesmo equipamento do Planalto, data do dia 6 de dezembro daquele ano, por volta das 18h. De acordo com os investigadores, Bolsonaro estava no palácio nesse horário (mais informações na pág. A10).

‘COPA 2022’. Uma ação clandestina integrada ao plano Punhal Verde e Amarelo foi batizada de “Operação Copa 2022”. O grupo, formado no aplicativo Signal tinha como objetivo o monitoramento e o assassinato de Moraes. A operação utilizava técnicas de vigilância, veículos oficiais e medidas de anonimização, como uso de celulares descartáveis e codinomes inspirados em países da Copa do Mundo de 2022, como “Alemanha,” “Japão” e “Brasil.”

Os investigadores revelaram que o plano chegou a ser iniciado, mas foi abortado. No dia 15 de dezembro de 2022, integrantes do grupo se mobilizaram e se posicionaram em pontos estratégicos de Brasília, incluindo

a região próxima à casa de Moraes, monitorando sua movimentação em tempo real. No entanto, o plano foi cancelado após o adiamento de uma sessão do STF.

POLICIAL. A PF colocou um de seus integrantes na mira da Operação Contragolpe após identificar que o agente Wladimir Soares repassou, em 2022, informações sobre a estrutura de segurança de Lula para pessoas próximas a Bolsonaro, “aderindo de forma direta ao intento golpista”.

Segundo o inquérito, Wladimir encaminhou para o capitão da reserva Sérgio Rocha Cordeiro – assessor especial de Bolsonaro – relatos sobre a segurança do presidente eleito, inclusive sobre a presença de policiais de força tática na equipe de segurança. Além disso, ele se colocou à “disposição para atuar no golpe de Estado, demonstrando aderência subjetiva à ruptura institucional”, afirmam os investigadores.

“Eu e minha equipe estamos com todo equipamento pronto p ir ajudar a defender o Palácio e o presidente. Basta a canetada sair !”, afirmou Wladimir em 20 de dezembro de 2022. Antes de enviar a mensagem, o agente recebeu outras duas mensagens que foram apagadas por Sérgio e anotou: “Estou pronto!”

As diligências de ontem foram realizadas em três Estados – Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas – e no Distrito Federal.