O Globo, n. 32.295, 07/01/2022. Economia, p. 9
Bolsonaro deve contrariar a economia
Manoel Ventura,
Dimitrius Dantas, Jussara Soares e Julia Noia
O
presidente Jair Bolsonaro indicou ontem que deve contrariar a recomendação do
Ministério da Economia para vetar integralmente um projeto aprovado no
Congresso no fim do ano passado, que permite a renegociação de dívidas para
empresas que se enquadram no Simples e Microempreendedores Individuais (MEIs). Antes do início de sua transmissão nas redes
sociais, aparentemente sem saber que estava sendo gravado, Bolsonaro demonstrou
irritação com o alerta feito pela equipe econômica.
O
prazo previsto para sanção ou veto da proposta era até o fim da noite de ontem.
O projeto foi aprovado no dia 16 de dezembro, na Câmara dos Deputados de forma
praticamente unânime. O potencial estimado de dívidas que podem ser parceladas
chega a R$ 50 bilhões.
—Passou
o telefone pro Pedro do... —disse o presidente.
—Passei,
tá agora com o Julio Cesar, tô acompanhando —respondeu um auxiliar.
—Como
é que são as coisas, né? Os caras queriam que eu
vetasse o Simples Nacional —reclama o presidente.
Solução
da receita
No
diálogo, o presidente se refere a Pedro César Nunes, subchefe de Assuntos
Jurídicos da Presidência. Todos os documentos assinados pelo presidente passam
pela Subchefia. Julio Cesar é uma provável referência
ao secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieira
Gomes.
Ao
longo do dia, integrantes do governo chegaram a confirmar que o presidente
deveria vetar o projeto. A repercussão do possível veto irritou Bolsonaro, que
cobrou uma solução diretamente do novo chefe da Receita Federal, que substituiu
José Barroso Tostes Neto.
O
argumento da equipe do ministro Paulo Guedes era que o projeto não apresenta
compensação financeira, o que seria necessário já que essa espécie de Refis
para a pequena empresa significa renúncia tributária e precisa ser coberta por
outras fontes de recursos, na avaliação da Receita Federal. Na prática, os
técnicos apontam risco de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e de
dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Constituição.
Na
noite de ontem, o assunto ainda era discutido por técnicos da equipe econômica.
A saída proposta foi vetar apenas o trecho que permite que empresas do Simples
que tiveram aumento do faturamento na pandemia possam aderir ao Refis. Na
prática, só quem teve o faturamento afetado pela pandemia poderia ingressar no
parcelamento de dívidas.
Ao
longo do dia, a equipe econômica chegou a aventar a hipótese de editar uma
portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para permitir a
negociação de débitos das empresas do Simples e MEI inscritos na dívida ativa
da União. Seria menos abrangente que um Refis e com condições menos favoráveis
de renegociação.
Um
Microempreendedor Individual tem faturamento anual de até R$81 mil. Empresas
com faturamento bruto anual de até R$ 4,8 milhões podem fazer parte do Simples
Nacional. Ambos os regimes concedem condições simplificadas de pagamentos de
tributos. O Brasil tem hoje 18,9 milhões de microempreendedores individuais e
empresas de pequeno ou médio porte, de acordo com dados do Ministério da
Economia.