Valor Econômico, 21 e 22/04/2020, Política, p. A7
Ministro dá aval para investigar ato pró-AI-5
Murilo Camarotto
Andrea Jubé
Em menos de 24 horas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu o pleito da Procuradoria-Geral da República (PGR) para autorizar a abertura de um inquérito para investigar os atos em defesa de uma intervenção militar, realizados no último domingo, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.
Em sua decisão, Moraes salientou que o fato, tal como narrado pela PGR, “revela-se gravíssimo, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas”. O ministro também é relator do polêmico inquérito instaurado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para investigar a onda de fake news e ataques virtuais à instituição e aos integrantes da Corte.
O pedido de investigação foi formulado na segunda-feira pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. No requerimento, Aras alegou que pode ter havido desrespeito à Lei de Segurança Nacional, que prevê os crimes que lesam ou expõem à lesão o regime representativo democrático, a Federação e o Estado de Direito, bem como os chefes de cada um dos três Poderes.
Aras recomendou, na petição, que além de cidadãos, deputados federais poderão ser investigados se houver indícios de que participaram da organização das manifestações. O procurador-geral não pediu a investigação de Bolsonaro, que participou do ato, onde fez um discurso inflamado, com recados velados às instituições e à classe política. Bolsonaro advertiu: “Não vamos negociar nada”. Disse que “acabou a patifaria” e conclamou o povo a lutar ao lado dele.
O ato na frente do quartel-general do Exército contou com a presença de apoiadores do presidente, ostentando faixas que cobravam “intervenção militar já com Bolsonaro” e a edição de um novo AI-5, o ato institucional mais radical do regime militar, que eliminou direitos individuais, como o habeas corpus. Os participantes gritavam palavras de ordem pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
“O Estado brasileiro admite uma única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou Aras no requerimento.
Com esse movimento, Aras busca defender o Ministério Público, já que os atos representaram um ataque às instituições da República, mas, simultaneamente, tenta se recompor com os integrantes do Ministério Público Federal, de quem passou a receber críticas.
No último dia 14, Aras foi questionado pelos colegas porque veio a público a informação de que ele encaminhou 20 ofícios a ministros de Estado solicitando que pedidos de informações feitos por outras instâncias do Ministério Público Federal referentes à pandemia do coronavírus fossem encaminhados para o gabinete da PGR.
A atitude gerou um protesto oficial da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), para quem Aras atacou a independência funcional dos membros do MPF. Pelas regras do MPF, todos os procuradores podem atuar livremente, sem a necessidade de autorização prévia do procurador-geral da República.
Em paralelo, Aras vem recebendo críticas por uma suposta proteção ao presidente da República. Enquanto membros do MPF vêm acionando o governo e a Justiça para questionar a postura do presidente em meio à pandemia, a PGR arquivou todas as queixas contra Bolsonaro.
Sobre a reclamação oficial da ANPR, Aras argumentou que os ministérios vinham recebendo uma enxurrada de solicitações de informações e orientou as pastas a encaminhar para ele os pedidos, com o objetivo de uma análise de “pertinência”. Além disso, ele sustentou que as normas internas garantem ao PGR a prerrogativa de se dirigir a ministros de Estado.
Ocorre que ele também interveio em solicitações encaminhadas a outras autoridades, como secretários. Nesse caso, o argumento foi de que as medidas solicitadas demandavam a participação dos ministros e, consequentemente, a atuação do PGR.
Em nota, a ANPR argumentou que a justificativa de Aras é genérica, e que ele estaria, sim, interferindo no trabalho dos colegas. “Nas duas dezenas de ofícios encaminhados, o PGR indica que poderá haver o reexame do conteúdo das recomendações, sob o pretexto de preservar a atribuição dos órgãos superiores do MPF, em flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional”.