O Estado de S. Paulo, n. 47881, 20/11/2024. Internacional, p. A16
Brasil e China criam alternativa à Rota da Seda para evitar desgaste
Felipe Frazão
Parceria com chineses pretende estimular investimento na economia brasileira e evitar atritos geopolíticos.
Brasil e China lançam hoje uma parceria de investimentos elaborada sob medida para evitar desgastes geopolíticos e promover investimentos em áreas-chave da economia brasileira. O plano foi elaborado como alternativa à nova Rota da Seda, como ficou conhecida a Iniciativa Cinturão e Rota, principal mecanismo de inserção chinesa na América Latina. Os detalhes serão anunciados durante a visita do presidente Xi Jinping a Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.
Nos últimos meses, o governo brasileiro se viu diante de um impasse: aderir ou não ao megaprojeto de infraestrutura chinês, lançado há 11 anos por Xi, visto como uma plataforma para ampliar influência geopolítica, sobretudo na América Latina, África e Ásia.
A comunicação sobre a nova parceria entre Brasil e China envolve até um jogo de palavras, em razão da sensibilidade do tema. O termo escolhido pelo governo foi “sinergia”. Tudo para não dizer que fez uma adesão a um projeto de Pequim. O Planalto quer estabelecer em conjunto, de forma horizontal, quais projetos interessam e são prioritários ao Brasil.
Segundo o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, o Brasil quer ter poder de decidir quais projetos lhe interessam, sem imposições. Isso significa que os chineses podem oferecer ao Brasil obras da Rota da Seda, mas o País não vai “entrar ou sair” de um projeto pronto. “A gente quer a sinergia. Se para isso eles têm de chamar de Cinturão e Rota, não tem problema. O que interessa são os projetos que têm essa sinergia”, afirmou Amorim.
Embora o governo não queira dizer que ingressou na nova Rota da Seda, hão há nenhuma restrição para que Pequim diga que o Brasil faz parte dela. Tampouco para que os países lancem projetos conjuntos típicos dos que são carimbados pelos chineses como da carteira da Rota da Seda.
Um integrante do governo envolvido na negociação disse que Lula vai realizar um gesto inequívoco em prol da China, mas tenta preservar o histórico não alinhamento do País, em meio ao potencial recrudescimento da disputa com os EUA.
O ingresso do Brasil é um objetivo perseguido pela China desde 2013. Sempre especulou-se nos meios diplomáticos Brasil busca modificar perfil de sua relação com a China, apesar da oposição dos EUA quais seriam as consequências de uma cobrança de fidelidade em pautas políticas. Um embaixador explicou que o País não deve ter fidelidade política à China, pois perderia independência.
VISITA. A passagem de Xi por Brasília hoje é cercada de cuidados e restrições. Segundo um embaixador envolvido nos preparativos, os governos adotaram um protocolo “excepcionalíssimo”, adaptado a exigências dos chineses. Ele será recebido no Palácio da Alvorada, residência oficial de Lula, e não no Palácio do Planalto.
Haverá uma cerimônia de chegada, reuniões fechadas, almoço, assinatura de acordos e declaração à imprensa. Por exigência da China, os presidentes não responderão a perguntas. À noite, Lula e Janja oferecerão a Xi e sua mulher, Peng Liyuan, um banquete no Palácio Itamaraty.
O presidente chinês chegou à capital federal ontem, após participar da cúpula do G-20 no Rio. Assim como ocorreu na capital fluminense, Xi foi recebido por dezenas de bandeiras da China e cartazes. Nos últimos meses, Lula encomendou estudos à sua equipe para a reunião. Quatro ministros e suas equipes se envolveram diretamente: Rui Costa (Casa Civil), Mauro Vieira (Itamaraty), Fernando Haddad (Fazenda) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), também vice-presidente e representante na Comissão SinoBrasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação.
O Estadão apurou que também não havia uma posição comum no setor privado. Alguns segmentos temem concorrência, enquanto outros veem oportunidades de desenvolvimento tecnológico.
O Brasil busca modificar o perfil de sua relação com a China, essencialmente comercial, e voltada a commodities. Quer colocar em pauta recursos para infraestrutura, como rotas de interligação da América do Sul, o novo PAC e projetos de reindustrialização.
Nas últimas duas décadas, o relacionamento bilateral beneficiou-se de alto nível de institucionalização e diversificação, com a intensificação de intercâmbios. Lula realizou visita à China em abril de 2023.
Com o retorno de Lula ao poder, voltou a pressão dos EUA ao País. No setor privado, não há um consenso sobre os benefícios de uma adesão ao megaprojeto chinês, tampouco sobre que efeitos geraria na relação do Brasil com americanos e europeus.
Desde o ano passado, o governo de Biden tem enviado funcionários de alto escalão diplomático com uma mensagem clara anti-China ao Brasil. Ao Estadão, o chefe da diplomacia dos EUA para América Latina e Caribe, Brian Nichols, afirmou que os investimentos chineses eram enganosos e levavam países a caírem em uma “armadilha da dívida” – os projetos grandiosos dariam pouco retorno e gerariam dívidas com bancos e empresas chinesas envolvidas na obra. •