Título: Os grandes países-afins
Autor: L. M. Vianna Camargo
Fonte: Jornal do Brasil, 18/11/2004, Economia, p. A20

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem assinalado a importância de uma aproximação mais efetiva entre o Brasil e os chamados ¿países-continentes¿, que, tal como o nosso, possuem grandes territórios, substanciais recursos naturais e nichos de alta competência industrial. Esses países têm em comum o fato de se ajustarem mal, por seu tamanho e por sua estrutura sócio-econômica complexa, à chamada ¿ditadura do mercado¿, que impõe a todos seguir regras rígidas e socialmente cegas, cuja aplicação a estas economias grandes e desiguais provoca efeitos bastante negativos sobre o nível de emprego, o equilíbrio intra-regional e a capacidade dos governos de adotar políticas corretivas.

Para os ¿países-continentes¿ é praticamente imprescindível adotar políticas consideradas heterodoxas, tanto de caráter social quanto econômico. Os nossos países têm de recorrer a um arsenal mais amplo de medidas para buscar corrigir as tendências perversas de concentração de renda que distorcem os seus mercados consumidores. E têm também que desenvolver políticas industriais próprias, que orientem os investimentos, diversifiquem as exportações e possibilitem a consolidação de nichos competitivos para as suas próprias empresas. Tal é o caso da China, cujo florescimento industrial, politicamente engendrado, levou-a a dominar amplas faixas do mercado internacional para produtos de consumo caseiro, ao mesmo tempo em que o país desenvolvia a sua capacidade produtiva em áreas estratégicas. Também é o caso da Índia, que, tal como o seu vizinho e rival do Norte, soube aplicar políticas destinadas a proteger o país dos verdadeiros ¿tsunamis¿ que têm afetado outras nações, que preferiram seguir o modelo liberal. A Índia tem áreas de desenvolvimento científico e tecnológico que bem justificam as menções positivas que tem recebido de autoridades governamentais de várias nações inclusive a nossa. Tal é, certamente, o caso da Rússia, o maior de todos os ¿países-continentes¿ quanto ao tamanho físico e quanto à importância de sua indústria estratégica. Hoje o Brasil tem com a Rússia um saldo comercial anual de mais de US$ 500 milhões, em um comércio de mais de US$ 1,5 bilhão, mas a característica maior desse intercâmbio é que em sua quase totalidade ele é composto por produtos primários.

No caso da Rússia, as potencialidades do desenvolvimento de relações estratégicas de cooperação com o Brasil são as mais expressivas. Além do crescimento do próprio comércio de produtos primários, que está longe de esgotar o seu potencial, as perspectivas de intercâmbio científico e tecnológico são muito promissoras em áreas que vão da matemática pura aos novos materiais e à cooperação no espaço.

A este respeito, é pertinente observar que a concorrência aberta pela Força Aérea Brasileira para modernizar a nossa aviação de caça revelou que o produto russo, o avião Sukhoi-35, é o preferido do ponto de vista técnico pelos próprios pilotos da FAB, que o consideram o mais adequado em virtude das características do nosso país, além de ser o de menor custo tanto de aquisição como de operação militar. Aliás, são esses os aviões que compõem o cerne dos esquadrões de caça multi-função das forças aéreas da China e da Índia, países que tomam o cuidado de manter contatos abertos com múltiplas fontes de suprimentos, para evitar dependências excessivas.

Rússia, Índia, China e Brasil, junto com os Estados Unidos e Canadá, constituem os seis países gigantes deste mundo. Os países que dispõem de ¿espaço vital¿. Os três primeiros fabricam e usam o Sukhoi. Os dois últimos usam o F-15 e o F-18 ambos de fabricação norte-americana e não completamente ao nível do Sukhoi conforme publicações especializadas dos próprios EUA. As principais vantagens que teria o Brasil ao optar pelo SU-35 seriam: a reconhecida superioridade do avião em relação às aeronaves norte-americanas; um excelente ¿offset¿ nas áreas de tecnologias sensíveis, inclusive aeroespacial; no parque industrial brasileiro, com a criação de empregos realmente novos; na puramente comercial, um grande incremento da exportação de produtos genuinamente brasileiros (US$ 3 bilhões) que trará mais divisas e mais cedo, do que o que será comprometido com o financiamento do programa FX-Br; a abertura do leque de fornecedores e, principalmente, a inexistência de quaisquer restrições de cunho político ao fornecimento de armas inteligentes e tecnologias sensível.

As ofertas dos demais concorrentes, todos monomotores e de alcance e poder bélico muito limitados, para o que necessitam de enormes tanques externos e autorizações norte-americanas, não correspondem aos interesses e necessidades do Brasil de hoje. Um, projeto antigo cuja fabricação está em processo final de desativação em seu próprio país. O outro, de tamanho e alcance extremamente pequenos, projetado para uso em paises escandinavos, está hoje restrito ao seu país de origem e à África do Sul, tendo outros países europeus que o contemplavam, desistido da compra e optado pelo F-16 norte-americano.

Uma vitória dos Sukhoi na licitação da Força Aérea Brasileira abriria perspectivas extraordinárias para a intensificação da nossa cooperação comercial, industrial e científico-tecnológica com a Rússia, com grandes vantagens para nós em termos de absorção de tecnologias. Capacitaria a Força Aérea Brasileira a exercer suas atividades hoje requeridas, com eficácia operacional e econômica, realmente em toda a área de influência político-econômica brasileira. E seria uma demonstração concreta de que o Brasil sente-se realmente capaz de desenvolver novas parcerias com os ¿países-continentes¿, que têm conosco significativas afinidades macroeconômicas. Isso certamente poderia ser feito sem afetar o relacionamento que o Brasil tem com seus atuais e tradicionais parceiros comerciais, pois o objetivo de uma prosperidade comercial e independência política é salutar para todos os envolvidos.