O Globo, n. 32.296, 08/01/2022. Política, p. 7
Recomendação para vacinação de militares irrita Bolsonaro
Jussara Soares
BRASÍLIA — A recomendação do Comando do Exército para que militares se vacinem
para o retorno ao trabalho presencial e a proibição sobre a disseminação de
fake news irritaram o presidente Jair Bolsonaro.
Diante da reação, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, em uma
reunião na tarde desta sexta-feira com representantes das três Forças expôs a
contrariedade com a repercussão da diretriz assinada pelo comandante do
Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que se choca com
posicionamentos do presidente. Bolsonaro não se vacinou e é contrário à
exigência do comprovante de imunização.
Na
reunião, segundo apurou O GLOBO, foi discutida a divulgação de uma nota do
Exército pontuando que a imunização não é uma obrigação nem condição para
retornar ao trabalho. A expectativa no governo era que o comunicado fosse
publicado ainda na sexta-feira. Uma versão do texto chegou a ser preparada, mas
não houve um consenso sobre o teor do comunicado entre Ministério da Defesa e o
Exército. Sem um acordo, a divulgação da nota foi suspensa nesta sexta, embora
o tema ainda esteja em debate.
Militares
contrários à divulgação de um esclarecimento argumentam que uma nota poderia
aumentar um desgaste e desencadear uma nova crise. Além disso, observam que o
comandante do Exército tem autonomia de sua gestão para publicar a diretriz,
embora todas as regras sigam orientações do Ministério da Saúde, da Economia e
do próprio Ministério da Defesa.
O
documento de oito páginas, assinado pelo comandante no último dia 3, reconhece
que o avanço da vacinação permite a possibilidade da normalização das
atividades. Entre os 52 itens do texto, o Exército destaca que o retorno ao
trabalho deve ser avaliado desde que respeitado o período de 15 dias após a
imunização. "Os casos omissos sobre cobertura vacinal deverão ser
submetidos à apreciação do DGP (Departamento Geral do Pessoal), para adoção de
procedimentos específicos", diz o texto.
Apesar
da irritação do Planalto, a diretriz do Exército segue uma portaria de 29 de
novembro do próprio Ministério da Defesa. Assinada pelo general Braga Netto
para entrar em vigor no dia 3 de janeiro, a portaria, no parágrafo 3, destaca
que os servidores e militares da administração central do Ministério da Defesa,
com exceção de pessoas com comorbidades e outros casos específicos,
"retornarão às atividades presenciais quinze dias após terem se imunizado
contra a COVID-19".
Na
Defesa, a avaliação é que o documento assinado pelo general Paulo Sérgio teve
uma "má redação" e, por isso, seria necessário um esclarecimento. A
pasta, segundo apurou O GLOBO, não teve acesso à diretriz do Exército antes de
ser publicada.
Antes
mesmo da reunião desta sexta-feira no Ministério da Defesa, já havia um receio
da repercussão no Planalto e o Exército já estudava como será o retorno
daqueles que se recusarem a tomar as doses.A
questão se concentra principalmente entre os civis que atuam na Força, uma vez
que, com exceção de casos de militares em atividades administrativas, a maior
parte seguiu a atuação em campo.
A
diretriz do Comando do Exército também orienta a continuidade de medidas
protetivas como o distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização das
mãos. Segundo o Exército, as regras seguem as orientações dos ministérios da
Defesa, Saúde e da Economia, mas também as particularidades e legislação
regionais, no âmbito dos Comandos Militares de Áreas.
Bolsonaro, que circula
frequentemente sem máscara, dá reiteradas declarações contra a imunização e
ainda não se vacinou. Ele também é contrário à exigência do comprovante da
vacina.
Outro ponto que incomodou o
governo é o trecho em que trata sobre a disseminação de fake news. O documento destaca que "a prestação de
informação falsa sujeitará o militar ou o servidor às sanções penais e
administrativas previstas em Lei". A recomendação do Exército é que
familiares também sejam orientados a checarem a veracidade das informações
"Não deverá haver difusão de
mensagens em redes sociais sem confirmação da fonte e da veracidade da
informação. Além disso, os militares deverão orientar os seus familiares e
outras pessoas que compartilham do seu convívio para que tenham a mesma conduta",
diz o texto.
O alerta sobre fake news não é uma novidade da diretriz publicada nesta semana
pelo comandante Paulo Sérgio. No início da pandemia, uma diretriz assinada pelo
então comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, em 30 de março de 2020,
já fazia a menção sobre informações falsas.