O Globo, n. 32.296, 08/01/2022. Política, p. 6
Um dia no Twitter de Bolsonaro
Guilherme Caetano
SÃO
PAULO — Quando Jair Bolsonaro desceu do Ford Fusion presidencial para
falar com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada, em Brasília, pouco
após as 9h de uma quarta-feira de dezembro, seu Twitter pipocava com um único
assunto. Ao longo do dia, parte dos 534 perfis que ele segue naquela rede
social só falaria de Ciro Gomes.
Por
volta daquele horário, circulava na imprensa que o presidenciável e o senador
Cid Gomes (PDT-CE), seu irmão, haviam sido alvos de uma operação da Polícia
Federal no Ceará. A ação, com mandados de busca e apreensão, apurava um suposto
esquema de corrupção envolvendo as obras da Arena Castelão, estádio em
Fortaleza que passou por uma reforma para a Copa de 2014. Ciro acusou o governo
federal de uso político da corporação e recebeu apoio até mesmo de adversários
como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
O
deboche a Ciro predominou no feed do Twitter de Bolsonaro (isto é, o conteúdo
que aparece na tela quando se abre o aplicativo) até o dia seguinte. Perfis de
militantes e humoristas de direita seguidos pelo presidente se fartaram de
compartilhar uma entrevista de Ciro, de 2017, em que ele afirmava que
"receberia a turma do Moro na bala" se tentassem prendê-lo.
Mentiras
para as massas
Antes de pegar um voo para São Paulo, às 10h daquela quarta-feira,
Bolsonaro aproveitou o momento com os apoiadores para voltar à carga num
assunto que havia tratado no domingo anterior: uma teoria da conspiração
segundo a qual lavajatistas tentam minar o seu
governo para derrubá-lo do cargo. O trecho da conversa no cercadinho em que ele
diz faltar caráter aos procuradores da Lava-Jato inundou as redes bolsonaristas
ao longo do dia.
Declarações
ofensivas e de ataque a adversários políticos costumam repercutir bastante
entre os apoiadores do presidente, e fazem sucesso particularmente nos perfis
de sátiras e memes. Bolsonaro segue diversos deles, como Joaquín Teixeira,
Embaixada da Resistência e Chê Reaça ("revoltado
com as narrativas e a hipocrisia da esquerda"). A declaração no Alvorada
foi o gatilho para o assunto voltar a repercutir intensamente.
Twitter
ainda tem peso
Por meio de uma lista do Twitter, com ajuda do Projeto 7c0, o
GLOBO emulou a relação de contas que Bolsonaro segue na rede social para
mergulhar no tipo de conteúdo que o presidente consome ao acessar o feed. Ainda
que ele venha pedindo aos seguidores para migrarem para o Telegram,
aplicativo de troca de mensagens similar ao WhatsApp, seu Twitter é acompanhado
por 7,2 milhões de pessoas e recebe publicações diversas vezes ao dia.
No
feed está tudo lindo
Como
o presidente da República não segue nenhum perfil de veículos jornalísticos não
alinhados ao governo, passaram batidos pelo feed temas incômodos como os
temporais que deixaram cidades submersas na Bahia, a crise econômica e a
pesquisa do Ipec (ex-Ibope) que mostrava Lula cerca
de 30 pontos percentuais na frente em intenções de voto.
O
filtro elaborado pelo presidente o coloca num ambiente em que as notícias sobre
o Brasil são majoritariamente positivas, exceto por um suposto avanço do que
seus apoiadores consideram como ameaça. Nessa conta entram pautas da agenda
progressista e medidas de combate ao coronavírus, como passaporte vacinal e
vacinação obrigatória. Ao longo do dia, o feed desponta diversas mensagens
desinformativas sobre a pandemia, algumas do ex-ministro Osmar Terra, notório
negacionista.
A
interação de Bolsonaro no Twitter com curtidas e compartilhamentos costuma se
limitar a contas de órgãos federais, como o Ministério da Defesa e a Secretaria
de Comunicação, além dos seus filhos. Vez ou outra, ele curte
alguma publicação elogiosa ao governo ou a ele próprio.
O
presidente também costuma seguir fãs com grande alcance ou certa devoção. É o
caso de Lucimary Billhardt,
a @lucyborn23, artista fascinada por pintar figuras do governo federal, como o
próprio presidente, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a atual
ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e o presidente
da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo.
Música
e futebol
O universo do Twitter presidencial, no campo da música, se limita
a quase um único gênero. Bolsonaro acompanha vários perfis de cantores, a
maioria deles homens do sertanejo: Sérgio Reis, Gusttavo Lima, João Bosco &
Vinícius, Fernando & Sorocaba, Jorge & Mateus, Zezé di
Camargo & Luciano, João Neto & Frederico, os irmãos Cesar Menotti e
Fabiano, e a conta pessoal de Bruno, da dupla Bruno & Marrone, também
seguida por ele. As exceções são Juliana Caetano, vocalista do Bonde do Forró,
e o roqueiro bolsonarista Roger Moreira.
No
futebol, Denílson, Ronaldinho Gaúcho e Neymar são os únicos atletas da lista.
Ainda que tenha declarado torcida pelo Flamengo contra o Palmeiras na última
final da Libertadores, ele só segue a conta oficial do clube paulista.
Curiosamente, ele segue a conta @CruzeiroT3Amo, destinada a fãs do time
mineiro.
Líderes
mundiais
Entre os governadores, Ronaldo Caiado (GO), Ratinho Junior (PR) e
Romeu Zema (MG), todos aliados, são os selecionados, enquanto no Congresso ele
privilegia os parlamentares da tropa de choque bolsonarista. Ele segue o vice
do ex-presidente americano Donald Trump, o republicano Mike Pence, mas não
acompanha a vice atual, a democrata Kamala Harris.
Bolsonaro
não segue Alberto Fernández, presidente da Argentina, nem Sebastián Piñera (Chile), López Obrador (México), Marcelo Rebelo de
Sousa (Portugal), Emmanuel Macron (França) e Olaf
Scholz (Alemanha). Por sua vez, segue, o que pode ser uma surpresa para muitos,
Joe Biden (Estados Unidos) e Boris Johnson (Inglaterra).
Ainda
que o presidente tenha deixado de seguir jornalistas, perfis de veículos da
imprensa e ex-aliados desde que tomou posse, ele
mantém "no radar" algumas figuras inusitadas, como o diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, diversas vezes criticado por Bolsonaro, e (quem
diria!) Nelson Teich, seu segundo ministro da Saúde, que se demitiu por
desalinhamento acerca das medidas de combate à pandemia.
Desafetos
e não aliados, além de não constarem no feed do presidente, são muitas vezes
bloqueados. A Secretaria de Comunicação do governo não divulga quais são as
contas bloqueadas, mas a ONG Human Rights Watch levantou
em agosto de 2021 que o presidente havia bloqueado 176 críticos nas redes
sociais, "a grande maioria no Twitter". A organização diz que a
atitude "viola direito de acesso à informação". O Twitter de
Bolsonaro pode ser alvo de muitas críticas, menos de não parecer o Twitter de
Bolsonaro.