O Estado de S. Paulo, n. 47883, 22/11/2024. Internacional, p. A16
Rascunho mostra impasse sobre financiamento
Priscila Mengue
Com encerramento oficial previsto para hoje, a Cúpula do Clima (COP-29) segue indefinida em relação aos mesmos dois pontos que travaram a discussão até agora: valor e pagadores do financiamento climático. Informalmente chamado de “COP das Finanças”, o evento da Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou um rascunho do acordo com pontos-chave indefinidos, o que aumentou a possibilidade de a cúpula ser estendida por mais dias. Nos bastidores, fala-se de extensão por mais um, dois ou até mais dias.
O novo texto estava previsto para a publicação à 0h de ontem, mas só foi veiculado no início da manhã do horário local, de Baku, capital do Azerbaijão, a sete horas de diferença do Brasil. Entre organizações que acompanham as negociações, há pessimismo de avanços significativos neste ano, aumentando a responsabilidade da próxima COP (em Belém).
Previsto no Acordo de Paris, o financiamento climático de países ricos para nações em desenvolvimento segue, contudo, indefinido: não há um valor anual a ser pago, por enquanto há no texto apenas “US$ []”, com margem tanto para a casa do trilhão quanto dos bilhões de dólares anuais. Organizações e nações em desenvolvimento defendem por volta de US$ 1,3 trilhão anual.
O texto foi apresentado pela presidência da COP-29, de responsabilidade do Azerbaijão. Anunciado como “mediadores” das demandas de países ricos e em desenvolvimento, Brasil e Reino Unido devem apresentar um retorno mais específico à presidência sobre a recepção do texto, mas os demais países poderão se manifestar em plenárias e no andamento das negociações, que devem se intensificar.
Por ser em um “petroestado”, considerado berço da indústria petroleira, e realizada logo após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a COP-29 começou com expectativas moderadas. Há, porém, quem avalie que esse cenário de polarização e a recente declaração do G-20 sobre a importância do financiamento climático podem estimular os países para avanços reais.
CONTRIBUINTES. O rascunho mostra que não há superação completa de um ponto que vem emperrando a discussão nas reuniões pré-COP-29 há meses: a definição dos contribuintes obrigatórios, a exemplo do que está no Acordo de Paris. Há tanto uma versão que reconhece a responsabilidade dos maiores poluidores históricos (países ricos), com a possibilidade de contribuição voluntária de países em desenvolvimento em ascensão (como China), enquanto a outra diz que a liderança deve ser das nações ricas, mas “incluindo esforços de outros países com capacidade econômica para contribuir”.
O chamado Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG na sigla em inglês) é de US$ 100 bilhões atualmente, mas foi pouco cumprido desde seu prazo inicial, de 2020 a 2025, sem que o valor estivesse atrelado às necessidades reais dos países. Nesse contexto, o texto apresenta duas interpretações: uma de que a meta foi alcançada a partir de 2022, conforme a OCDE.
Outra versão lamenta que a meta não foi atingida e prevê repasse retroativo até 2026. O cumprimento ou não tem sido tema controverso, com questionamentos, inclusive, sobre quais tipos de recursos entraram na contabilização feita pela organização, como no caso de empréstimos a juros significativos ou recursos não diretamente ligados ao clima.
CONHECIMENTO INDÍGENA. Um ponto que tem sido elogiado é que o texto reforça a necessidade de valorização da ciência e dos conhecimentos de povos indígenas e tradicionais e comunidades locais, os quais devem ser incluídos no desenvolvimento das ações.
O texto salienta a necessidade de respeito aos direitos humanos, de modo a salvaguardar os povos indígenas e ser sensível às questões de gênero. Deve, então, “considerar as necessidades e prioridades dos outros povos e comunidades na linha de frente das mudanças climáticas, incluindo mulheres e meninas, crianças, jovens, pessoas com deficiência e trabalhadores, bem como comunidades locais e sociedade civil, em reconhecimento do seu papel crítico na prevenção, abordagem e resposta às alterações climáticas”.
O documento enfatiza que o NCQG será voltado à aplicação das metas de redução de emissões dos países (as chamadas NDCs) e aos planos de adaptação climática dos países em desenvolvimento. Ao mencionar países pouco desenvolvidos e insulares, diz que a nova meta deve ter equidade e princípio de responsabilidade comum, mas diferenciada a partir das capacidades, vulnerabilidades e diferentes circunstâncias de cada país.
Além disso, reconhece que os países em desenvolvimento sofrem impactos desproporcionais
Para organizações que acompanham negociações, dificilmente haverá avanços significativos
das alterações climáticas e enfrentam diversas barreiras e desafios, como espaço fiscal limitado, altos níveis de endividamento e altos custos de transação. Também enfatiza a necessidade de respeitar a soberania dos países, enquanto destaca a “importância da justiça climática na tomada de medidas para enfrentar as alterações climáticas”.
Reforça, ainda, que é necessário investimento anual de US$ 4 trilhões em energia renovável até 2030 para que a neutralidade de carbono seja alcançada até 2050. “Espera-se a necessidade de investimento de ao menos US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões anuais para a transformação global para uma economia de baixo carbono”, acrescenta.
O rascunho inicia com uma contextualização de que o financiamento é importante para atingir o artigo 2 do Acordo de Paris, de 2015, de conter o aquecimento global abaixo dos 2° C (em relação aos níveis pré-industriais), com esforços para que seja contido em 1,5° C – o que já implica em intensificação e aumento na frequência de extremos climáticos em todo o mundo, como ondas de calor, secas e enchentes. E salienta a “urgência de aumentar a ambição e a ação nesta década” e admite que há “barreiras ao redirecionamento de capital para a ação climática”. •