O Globo, n. 32.297, 09/01/2022. Política, p 7
No Supremo, André Mendonça terá pela frente casos em que defendeu
o governo
Mariana Muniz
BRASÍLIA — Mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André
Mendonça terá pela frente casos em que atuou como advogado-geral da União,
quando defendia os interesses do governo Jair Bolsonaro e do Executivo federal.
Uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) contra quem criticou o presidente,
determinação para o governo realizar o Censo 2022 e extinção de conselhos por
ato do Executivo estão na lista de processos que podem ter que passar pelo
crivo de Mendonça.
A
presença de um chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) não é inédita ou incomum
na composição do Supremo, que tem entre seus 11 ministros outros dois ex-AGUs: Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Mendonça esteve à
frente do órgão de 2019 a 2021, até ser indicado por Bolsonaro ao Supremo. O
GLOBO apurou que ele avalia a possibilidade de se declarar impedido nos
processos em que a AGU atuou, embora não haja restrição alguma prevista em lei.
Para
além das questões processuais, o novo ministro poderá ter que se manifestar em
ações nas quais ele atuou do outro lado do balcão como AGU e em outras em que
tribunal foi ou tende a ir de encontro aos interesses de Bolsonaro, na prática,
o ex-chefe de Mendonça.
Entre
elas estão a ação em que o STF obrigou o governo a realizar o Censo em 2022.
Embora ela já tenha sido julgada, cabem embargos de declaração (um dos últimos
recursos possíveis) à decisão da Corte. Em outro caso, no papel de advogado do
Executivo, Mendonça defendeu no STF que fosse derrubada a proposta que institui
uma renda básica universal no país, o que geraria gastos à União. Nesse
processo já foram apresentados recursos (embargos dos embargos de declaração),
e o novo ministro poderá ter que votar.
Na
cadeira de magistrado, o ex-AGU também deverá ter que
se posicionar no habeas corpus coletivo movido pela Defensoria Pública da União
para questionar o uso da Lei de Segurança Nacional em investigações sobre
críticas ao governo Bolsonaro. Em abril de 2021, por meio de manifestação enviada
ao STF, Mendonça defendeu a validade da lei. A norma, resquício do regime
militar, acabou sendo revogada em setembro do ano passado, mas seus efeitos
permanecem sendo alvo dos questionamentos no Supremo. O habeas corpus é
relatado pelo decano, ministro Gilmar Mendes, e ainda não foi analisado.
Pacote
anticrime
Outro caso em que houve a manifestação de Mendonça perante a Corte
e que ainda está pendente de julgamento é a ação que questiona a criação da
figura do "juiz de garantias". A medida faz parte do pacote
anticrime, aprovado pelo Congresso em dezembro de 2019. Para o então AGU, além
de prestigiar a imparcialidade, o juiz de garantias não deve criar despesas
para o Judiciário. O tema é alvo de duas ações no Supremo e gera controvérsia
entre alas do tribunal.
Em
dezembro, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) recorreu ao STF para
solicitar o impedimento de Mendonça no julgamento da ação que avaliará a
legalidade do decreto de Bolsonaro que extinguiu centenas de conselhos, comitês
e comissões das administrações direta e indireta. Ele passou a ser o relator da
matéria ao assumir os processos que antes estavam com o ministro Marco Aurélio
Mello, mas a Corte ainda não se posicionou sobre o pedido feito pela entidade.
Diante
do avanço da nova variante do coronavírus e de uma retomada na adoção de
medidas restritivas por parte de estados e municípios neste mês, é possível que
o STF volte a ser provocado sobre o tema. Em maio de 2021, Bolsonaro,
representado pela Advocacia-Geral da União, na ocasião sob a chefia de de Mendonça, protocolou uma ação contra a adoção de
lockdown e toque de recolher impostos por alguns estados e municípios devido a
uma onda de Covid-19.
À
época, o então advogado-geral da União afirmava que o "intuito da ação é
garantir a coexistência de direitos e garantias fundamentais do cidadão, como
as liberdades de ir e vir, os direitos ao trabalho e à subsistência, em
conjunto com os direitos à vida e à saúde de todo cidadão, mediante a aplicação
dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da
democracia e do Estado de Direito".
Toffoli
e Gilmar
Questionado pelo GLOBO, o STF informou que as causas de impedimento e suspeição
de juízes se aplicam em processos de "natureza subjetiva", aqueles
que geralmente envolvem um direito individual. Nos processos questionando leis
e outras normas não haveria necessidade de impedimento de magistrado.
Por
sua atuação como AGU, Toffoli chegou a se declarar impedido de participar em
julgamentos emblemáticos da Corte. Foi o caso, por exemplo, da ação, analisada
em 2012, que declarou a constitucionalidade da reserva de vagas em
universidades públicas com base no sistema de cotas raciais. O ministro se
declarou impedido por ter se manifestando favoravelmente às cotas quando era
advogado-geral da União. O mesmo ocorreu no caso do ex-ativista
Cesare Battisti, em que a AGU sugeriu que o italiano poderia ser vítima de
perseguição política se fosse extraditado — e Toffoli ficou fora do julgamento.
O
mesmo motivo levou Gilmar Mendes a declarar, em 2002, seu impedimento no
julgamento do pedido de afastamento proposto contra os então ministros da
Fazenda, Pedro Malan, e da Educação, Paulo Renato. Como AGU do governo de
Fernando Henrique Cardoso, o atual decano atuou nos processos.