O Estado de S. Paulo, n. 47882, 21/11/2024. Política, p. A11
PF põe em xeque teses da defesa de Bolsonaro
Hugo Henud
A Operação Contragolpe da Polícia Federal (PF), deflagrada anteontem, estreita o cerco jurídico em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao enfraquecer duas das principais linhas de defesa apresentadas até o momento: a alegação de que a trama golpista teria ocorrido à sua revelia e sem sua participação, e a de que os fatos investigados seriam apenas atos preparatórios, não passíveis de punição.
Juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que as novas revelações enfraquecem as teses de Bolsonaro e aumentam as chances de uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR), com penas que podem chegar a 28 anos de prisão – cenário que pode se agravar caso seja comprovado o elo entre esses acontecimentos e os atos de 8 de janeiro.
Bolsonaro sempre negou qualquer intenção golpista. Sobre a operação desta semana, o ex-presidente não respondeu, após ser procurado por meio de sua assessoria.
Entre as evidências reveladas pela PF que embasaram a operação está o plano Punhal Verde e Amarelo, apreendido com o general Mário Fernandes — ex-secretário-executivo da Presidência no governo Bolsonaro. O documento detalhava a prisão e os assassinatos de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Também foi descoberta uma reunião na residência do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro, onde se discutiu a participação dos “Kids Pretos” no plano golpista. Os investigadores apontaram ainda que Bolsonaro manteve encontros com aliados — como Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens; o general Estevam Cals Theophilo, então comandante do COTER; e Marcelo Câmara, ex-assessor presidencial — para discutir os detalhes da trama golpista.
Teses Bolsonaro alega que trama teria ocorrido à sua revelia e que seriam atos preparatórios
“Dizer que Bolsonaro não sabia de tudo nessa etapa é realmente fazer pouco caso da inteligência e do bom senso de todos. É evidente que essa linha de defesa, de alegar que ele não sabia de nada, não se sustenta mais” Renato Vieira Criminalista
“A situação, do ponto de vista jurídico, piora muito” Gustavo Badaró Professor da USP
Denúncia
Revelações aumentam as chances de uma denúncia pela PGR, com penas que podem chegar a 28 anos
DESCONHECIMENTO. Todos esses novos elementos, na avaliação do criminalista e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira, desmontam a tese da defesa que alegava desconhecimento e ausência de participação do ex-presidente na trama golpista. Para Vieira, os fatos revelados apontam para uma participação direta de Bolsonaro, demonstrada por uma atuação estruturada e coordenada com ministros e militares.
“Dizer que o ex-presidente Bolsonaro não sabia de tudo nessa etapa, principalmente porque ele era o principal beneficiário dessa continuidade, é realmente fazer pouco caso da inteligência e do bom senso de todas as pessoas que estão tomando conhecimento desses acontecimentos. É evidente que essa linha de defesa, de alegar que ele não sabia de nada, não se sustenta mais”, afirma.
Os professores de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró e Pierpaolo Bottini, compartilham a mesma avaliação e ressaltam que os detalhes apresentados no relatório da PF enfraquecem a narrativa de que os aliados do ex-presidente agiram por conta própria, sem sua anuência. Badaró cita, como exemplo, a descoberta de que o plano “Punhal Verde e Amarelo” foi impresso nas dependências do Palácio do Planalto por Mário Fernandes, o que torna cada vez mais difícil desvincular o ex-presidente dos atos investigados. “A situação, do ponto de vista jurídico, piora muito”, resume Badaró.
CAUSALIDADE. Além de enfraquecer as teses da defesa, o relatório da PF consolida o nexo de causalidade entre os fatos investigados e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, conforme avalia o criminalista Marcelo Crespo, coordenador da ESPM. Em sua avaliação, as descobertas evidenciam que a invasão às sedes dos Três Poderes foi o desdobramento de uma série de ações iniciadas no governo Bolsonaro. “Está tudo conectado e isso agrava ainda mais a situação jurídica do ex-presidente”, completa Crespo.
“É importante lembrar que o golpe de Estado é punido pela legislação brasileira mesmo em sua forma tentada, ou seja, pelos atos preparatórios, já que, uma vez consumado, não há mais como se falar em punição. É o que ocorre nesse caso”, afirma Sampaio. O PT enviou ontem ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pedido de arquivamento do projeto de lei que anistia os condenados pela invasão das sedes dos três Poderes nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. •