O Estado de S. Paulo, n. 47888, 27/11/2024. Política, p. A8
PF conclui que Bolsonaro ‘planejou, atuou e teve o domínio’ do golpe
Pepita Ortega
Fausto Macedo
Marcelo Godoy
Rayssa Motta
Hugo Henud
Relatório final da Polícia Federal sobre tentativa de ruptura institucional durante o governo de Jair Bolsonaro considera que “de forma inequívoca” o ex-presidente “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do estado democrático de direito”. Para os investigadores, o golpe não se consumou em razão de “circunstâncias alheias à vontade” de Bolsonaro. A defesa do ex-presidente informou que “vai proceder a leitura do relatório” antes de se manifestar. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, enviou à PGR o relatório de mais de 800 páginas em que a PF enquadrou Bolsonaro e mais 36 investigados. Moraes determinou o fim do sigilo do inquérito que também relata plano de assassinato, no fim de 2022, do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do próprio ministro do STF.
A Polícia Federal (PF) concluiu no relatório final da investigação sobre uma tentativa de ruptura institucional durante o governo Jair Bolsonaro que ficou demonstrado, “de forma inequívoca”, que o ex-presidente “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do estado democrático de direito”. Segundo os investigadores, o golpe não se consumou em razão de “circunstâncias alheias à vontade” de Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou ontem à Procuradoria-Geral da República (PGR) o relatório de 884 páginas em que a PF enquadrou o ex-presidente e mais 36 investigados, entre ex-ministros, assessores, aliados e militares de alta patente. Moraes determinou o fim do sigilo do inquérito que envolve as operações Tempus Veritatis e Contragolpe – que relata, inclusive, um plano de assassinato, no fim de 2022, do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice Geraldo Alckmin e do próprio ministro do STF. Segundo o inquérito, a organização criminosa ligada a Bolsonaro “criou, desenvolveu e disseminou”, desde 2019, uma narrativa inverídica de fraude às urnas para “sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos”. Inicialmente, “não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral”. “E, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022.” A PF crava que Bolsonaro, com apoio de um núcleo jurídico, elaborou um decreto que previa uma ruptura institucional, “impedindo a posse do governo legitimamente eleito, estabelecendo a decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral”. O documento cita ainda a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
FUNDAMENTO.
Para o grupo liderado por Bolsonaro, diz a PF no documento, a assinatura do decreto serviria como base legal e fundamento jurídico para o golpe de Estado. “Há também nos autos relevantes e robustos elementos de prova que demonstram que o planejamento e o andamento dos atos eram reportados a Jair Bolsonaro, diretamente ou por intermédio de Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro)”, sustenta a investigação policial. “Evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs (torres de celular), datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo – que previa o assassinado de Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre Moraes ), bem comodas ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022 (ação clandestina que previa a prisão/ execução de Moraes ).”
FUGA. De acordo com a PF, alia
dos do ex-presidente elaboraram um plano detalhado para garantir sua fuga caso o golpe de Estado planejado após as eleições de 2022 fracassasse. O esquema, inicialmente discutido após as manifestações de 7 de setembro de 2021, incluía estratégias militares, ocupação de locais como os Palácios do Planalto e Alvorada e apoio logístico das Forças Armadas, com o objetivo de proteger Bolsonaro e garantir sua retirada para um local seguro fora do País. Os atos do Dia da Independência daquele ano foram realizados em Brasília e São Paulo, onde Bolsonaro fez ameaças diretas ao STF e questionou a legitimidade do sistema eleitoral. Durante as manifestações, o então presidente afirmou que não participaria de uma “farsa” eleitoral e insinuou a possibilidade de uma ruptura institucional. As declarações impulsionaram a elaboração de estratégias para garantir sua fuga caso seus planos de reverter o resultado eleitoral fracassassem, afirma a PF. Entre os detalhes, consta a previsão de ocupar instalações estratégicas como os Palácios do Planalto e Alvorada, transformando esses locais em zonas de proteção temporária. O documento da PF relata que o plano de fuga, inicialmente elaborado em 2021, foi adaptado no final de 2022, após o fracasso da tentativa de golpe de Estado. Sem o apoio necessário das Forças Armadas para impedir aposse do governo eleito, Bolsonaro deixou o Brasil no dia 30 de dezembro de 2022, dois dias antes do término de seu mandato. Conforme os investigadores, a saída para os Estados Unidos tinha como objetivo evitar uma possível prisão e acompanhar à distância os desdobramentos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Mensagens recuperadas pela PF indicam que aliados do ex-presidente continuaram mobilizadosaté janeiro de 2023, mesmo após apos sede Lu lapara conseguira adesão do Exército ao plano de golpe. A investigação afirma que o ex-presidente tinha“conhecimento e anuência” sobre a confecção e disseminação de uma carta com teor golpista assinada por oficiais do Exército – “uma estratégia para incitar os militares e pressionar o Comando do Exército a aderira ruptura institucional”. É citado um diálogo entre o tenente-coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, no dia 26 de novembro de 2022, quando os militares ainda ajustavam o teor e a forma de divulgação da carta. “01 sabe disso?”, questionou Cavaliere. “‘Sabe’”, respondeu Mauro Cid. Segundo a PF, os militares, com formação em Forças Especiais do Exército, tentaram no fim de 2022 pressionar o então comandante do Exército, general Freire Gomes e o Alto Comando, a aderirem ao golpe de Estado”.