Valor Econômico, 27/04/2020, Empresas, p. B3

Instituto Avon lança projeto para conter violência doméstica
Marília de Camargo Cesar


Ela digita no Google: “É normal o homem beber e ficar violento?”. Em muitos casos, de acordo com a Decode Pulse, agência de análise de dados de comportamento, esta é a primeira atitude de uma mulher que vive com um potencial agressor, mas ainda não se deu conta disso. É o início da jornada de muitas das vítimas de violência doméstica, mulheres que, desde que começou a pandemia, viram sua qualidade de vida se deteriorar.

Não apenas no Brasil, mas também em países ricos como Canadá, França, Alemanha, Reino Unido e EUA, os dados sobre pedidos de socorro e de medidas protetivas para mulheres cresceram expressivamente de meados de março em diante, a ponto de Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres e vice-secretária geral das Nações Unidas, chamar a crise de uma “pandemia nas sombras”.

No Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Decode Pulse, entre fevereiro e meados de abril, as menções a brigas de casais no Twitter cresceram 431% em comparação a igual período do ano passado. O estudo revelou que os números de ocorrências de violência doméstica aumentaram em pelo menos seis Estados, Mato Grosso liderando o ranking, com mais de 400% de aumento. Em seguida vêm Pará, São Paulo, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Acre.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, o país registra um dos piores índices do mundo, com um episódio de agressão contra mulheres a cada dois minutos, ou 263.067 casos de lesão corporal dolosa registrados em 2018, dado mais recente disponível. Foram, no período, 66.041 casos de violência sexual, o que equivale a 180 estupros por dia (alta de 4,1%), e 1.206 casos de feminicídios, alta de 11,3% com relação à 2017.

Para dar mais visibilidade a esse grave problema social e tentar diminuir seus impactos, o Instituto Avon, a Natura e The Body Shop, marcas do grupo Natura & Co, se uniram para lançar o Programa Você Não Está Sozinha, uma mobilização global com a plataforma #isolatednotalone, no Brasil chamada #IsoladasSimSozinhasNão.

A iniciativa, realizada em parceria com 11 instituições da sociedade civil, empresas e governos, prevê uma série de ações de mídia e em redes sociais para informar, investigar e encaminhar mulheres em situação de risco.

A campanha vai lançar esta semana uma página na internet que faz uma triagem e encaminha a pessoa ameaçada para serviços como apoio psicológico, jurídico ou mesmo para abrigos. O disque 180, usado para denúncias, foi fortalecido com recursos; foi criada uma linha 0800 para receber denúncias e um assistente virtual (chatbot), que pode ser acionado por Whatsapp, para pedidos de informação ou ajuda.

“Cada ferramenta ajuda no trabalho de triagem de necessidades, identificando mulheres em risco iminente, médio ou baixo, e orientando para serviços mais próximos da casa delas, tudo com ajuda da tecnologia”, diz Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon. A organização vai investir US$ 1 milhão globalmente para fortalecera a estrutura de  abrigos e, no Brasil, R$ 1 milhão no programa.

Com uma rede de 1,3 milhão de revendedoras, a Avon dispõe de expressivo time de potenciais “vigilantes” anti-violência doméstica, que podem denunciar brigas de vizinhos e agressão. Em março, a empresa teve aumento de 88% nas interações digitais dessas vendedoras com a assistente virtual de vendas Bela, um crescimento de dez vezes na audiência das ‘lives’ semanais, destinadas a revendedoras no grupo de Facebook, e de 11 vezes no engajamento digital dessas profissionais.

No caso da Natura, de 1,2 milhão de consultoras (como são chamadas as revendedoras da marca) no Brasil, 900 mil mulheres estão engajadas digitalmente nas plataformas de venda, comunicando-se com clientes regularmente. “As ferramentas que criamos oferecem opções de pedidos de ajuda, alertando também quem mora perto de eventuais vítimas, para que possam ajudar”, afirma Maria Paula Fonseca, diretora de marca da Natura.

Além dos dispositivos, a empresa mobilizou influenciadores digitais e artistas ligados ao Natura Musical, para falar em suas redes sociais sobre o tema. Outra iniciativa foi criar podcasts que irão ao ar, com histórias de superação de mulheres que já experimentaram a violência em casa.

O apoio psicológico e jurídico será oferecido via Mapa do Acolhimento, www.mapadoacolhimento.org, um site que conecta mulheres a uma rede de psicólogas e advogadas voluntárias em todo o Brasil; o Instituto Avon, juntamente com o Grupo Pão de Açúcar, também vai ofertar cestas básicas para mulheres em dificuldade financeira. As consultas podem ser feitas pelo site do programa: www.avon.com.br/instituto-avon/isoladassimsozinhasnao.

Grandes ações de conscientização, como esta, muitas vezes são mais acessadas por formadores de opinião e não tanto pelas vítimas da violência, avalia Renato Dolci, CEO do Decode, o braço de pesquisa e inteligência de dados do grupo BTG Pactual, parceiro do Instituto Avon na iniciativa. “Nossa missão é qualificar as informações e fazer a gestão dos dados, via algoritmos, para garantir que elas cheguem às pessoas que realmente necessitam de ajuda”, afirma. “Nossa expectativa é de fato conseguir diminuir os casos reais de agressão durante o confinamento e, depois da abertura, construir caminhos para facilitar o uso das ferramentas.”